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Alexander Yanov - O "Nacionalismo Esclarecido" de Lev Gumilev

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por Alexander Yanov



Por que Gumilev?

Lev Gumilev é um nome respeitado na Rússia. Ele é respeitado por "ocidentalistas", dos quais ele não gostava, por assim dizer, bem como por "patriotas". Eis o que o "ocidentalista" Helium Prokhorov escreveu com admiração sobre ele no Literary Newspaper: "Deus deu a ele uma oportunidade de explicar sua teoria por si mesmo. E ela enfeitiçou, levando o país inteiro a pensar". Andrei Pisarev, da publicação "patriótica" Our Contemporary, não era menos reverente em sua conversa com o mestre: "Hoje você representa a maior escola histórica na Rússia".

É possível que o papel que Gumilev desempenhará na consciência pública russa após sua morte será mais significativo que o desempenhado durante sua vida? Sergei Glazyev certamente pensa assim. O assessor do presidente da Federação Russia e chefe não-oficial dos "unificadores" do Império Russo do clube Izborsky proclamou em 2013 que Gumilev era um dos "maiores pensadores russos" e o fundador do que ele chama de "integração" do espaço eurasiano.

Qualquer seja o seu legado, o heroi de nossa história, o filho da grande Anna Akhmatova e do famoso poeta da era de prata Nikolai Gumilev (que foi fuzilado pelos bolcheviques durante a Guerra Civil), o homem que passou muitos anos nos campos de Stálin e que, após sua libertação, conseguiu um Ph.D. em história e geografia e publicou nove livros que desafiavam Max Weber e Arnold Toynbee, oferecendo sua própria explicação dos mistérios da história mundial, foi em sua própria época sem dúvida um dos representantes mais talentosos e eruditos da maioria silenciosa da intelligentsia soviética.

O que nós podemos dizer sobre a camada social da qual Gumilev veio? Essas pessoas não estavam em guerra com o regime, mas elas só eram leais a ele em aparência. "Nem paz, nem guerra", este se tornou seu lema após as negociações de Trotsky em Brest em 1918. No mínimo, isso lhes permitiria manter sua dignidade em um regime pós-totalitário. Ou assim eles pensavam.

Porém, eles pagariam por isso. Enterrados sob os rochedos da censura onipresente, eles foram separados da cultura mundial e forçados a criar seu próprio mundo isolado e silencioso, no qual ideias nasciam, envelheciam e morriam, sem jamais serem realizadas, e onde hipóteses eram proclamadas, mas permaneciam sem serem testadas. Por toda sua vida eles guardaram em si mesmos uma chava tremeluzente de "liberdade secreta", mas eles ficaram tão acostumados com a linguagem de Esopo que ela gradativamente se tornou a sua própria. Como resultado, eles adentraram no mundo da sociedade pós-soviética com cicatrizes permanentes. Lev Gumilev partilhava com eles de todos os paradoxos de sua existência e pensar nas catacumbas.

Ciência Patriótica

Por toda sua vida, Gumilev tentou ficar o mais longe possível da política. Ele não estava procurando se digladiar com a censura, e a cada oportunidade ele jurava fidelidade ao "materialismo dialético". Ademais, não temos a menor razão para duvidar de que sua hipótese monumental explicando a história da humanidade era marxista. Aconteceu até de ele culpar seus adversários de se afastarem do "materialismo histórico". Marx, Gumilev dizia, em suas primeiras obras, havia previsto a emergência de uma ciência fundamentalmente nova do mundo, sintetizando todos os velhos ensinamentos sobre a natureza e o homem. Na década de 80, Gumilev estaca convicto de que a humanidade, através de sua pessoa, estava no limiar dessa nova ciência marxista. Em 1992, ele morreu acreditando ter criado essa ciência.

Paradoxalmente, ao mesmo tempo, ele enfatizava sua proximidade com os eurasianistas, os mais ferozes adversários do marxismo no pensamento político russo do século XX: "Eu tenho sido chamado de eurasianista e eu não rejeito isso. Eu concordo com as principais conclusões dos eurasianistas". E ele não tinha medo da orientação anti-ocidental dos eurasianistas, apesar de isso os afastar de suas raízes nacional-liberais da década de 20 e os levar a degenerarem em uma seita reacionária de emigrados.

A evolução do conceito eurasianista não foi singular, naturalmente: todos os movimentos intelectuais russos anti-ocidentais, mesmo que começassem liberais, sempre tomavam a mesma rota de degradação. Em minha trilogia, eu descrevi o destino trágico dos eslavófilos. A única diferença é que sua "ideia russa" precisou de três gerações para completar essa metamorfose fatídica, enquanto os eurasianistas lidaram com ela por apenas duas décadas. Somos deixados pensando sobre como Gumilev reconciliou em sua mente sua proximidade com os eurasianistas e sua firme lealdade ao marxismo-leninismo.

Não se deve deixar de dizer, porém, que essa fantástica partição, a habilidade de servir (Gumilev considerava sua obra como um serviço público) sob os estandartes de duas escolas de pensamento opostas, o separava radicalmente da maioria silenciosa da qual ele veio e que era profundamente alheia tanto ao marxismo quanto ao conceito eurasianista. Essa não era a única coisa que o separava deles, porém.

Gumilev insistia que sua teoria era rigorosamente científica e tentou justificá-la com tudo que estivesse disponível para ele. Era como se cada página de seus livros estivesse dizendo, "Eu sou um cientista, e a política - oficial ou de oposição, ocidentalizadora ou 'patriótica' - não tem nada a ver com o espírito e propósito de minha obra". Ao mesmo tempo, lidando com os ataques da direita, ele foi compelido mais de uma vez a provar o impecável patriotismo de sua ciência. Novamente, essa é uma estranha dicotomia.

Por exemplo, em relação ao conceito comum na historiografia russa do "jugo mongol" dos séculos XIII ao XV, cuja existência Gumilev negava, ele rapidamente descartou os argumentos dos historiadores liberais: "Quanto aos ocidentalizadores, eu não quero discutir com intelectuais ignorantes que não aprenderam qualquer história ou geografia" (apesar do fato de que entre estes "intelectuais ignorantes" estivessem todos os principais historiadores russos". Ele ficava perturbado com o fato de que historiadores "patrióticos" reconhecessem o conceito de um jugo mongol. Ele pensava nisso como "verdadeiramente bizarro" e imaginava "Eu não consigo entender o porquê de patriotas amarem o mito do 'jugo', que foi inventado por alemães e franceses. Não está clara como que eles ousam dizer que sua interpretação é patriótica".

Parece que o termo "interpretação patriótica" de problemas científicos não era agradável aos ouvidos de cientistas. Se é que há algo como um "nacionalismo esclarecido", este é ele.

As Questões de Gumilev

A nova geração, que à luz da glasnost foi introduzida a batalhas na imprensa, começou desafiando a maioria silenciosa. Em uma invectiva impiedosa, Nicholai Klimontovich escreveu, "Nós somos acometidos pela questão fatídica: havia uma 'liberdade secreta', havia algo a mostrar, essa mina de ouro não se transformaria em pó e cinzas sob a luz do dia?" Como os outros, eu não sei, mas Lev Gumilev pegaria com dignidade a luva jogada ao chão pela geração mais jovem. Ele havia algo para provar ao mundo. Seu ousado assalto aos mistérios do mundo foi seu templo, construído na escuridão reacionária, e como vemos, continuando a atrair os fieis por meio da luz do dia. Os quebra-cabeças que ele tentava montar eram realmente imensos.

Como explicar, por exemplo, por que um pequeno número de selvagens nômades mongois subitamente irromperam no palco da história no século XIII e correram para conquistar o mundo, destruindo no caminho culturas ricas e civilizadas na China, Ásia Central, Oriente Médio e Europa Oriental? E o fato de que após dois séculos eles abandonaram o palco silenciosamente, como se eles nunca tivessem existido? E os outros nômades que emergiram tão subitamente quanto do deserto árabe e se tornaram os mestres de metade do mundo e os árbitros do destino das culturas mais prósperas na história? Sua ascensão surpreendente não terminou do mesmo jeito? E os hunos que vieram do nada e se fragmentaram de volta ao nada?

Por que todos esses meteoros históricos se incendiaram e esgotaram? Incontáveis historiadores e filósofos tentaram por séculos responder a essas perguntas. Mas não há respostas universalmente aceitas ainda. E Gumilev, confiando em sua assombrosa erudição, oferece respostas completamente originais. Não merece respeito a sua audácia, o escopo dessa empreitada, abarcando 22 séculos (começando com o século VIII a.C.)?

Hipótese

Audácia não é suficiente para uma tarefa nessa escala, porém. Como qualquer cientista sabe, para se acreditar em uma hipótese, deve haver um jeito de verificá-la. Ela deve ser falseável em linguagem acadêmica. Ela deve ser logicamente consistente e universal, i.e., explicando todos os fatos na área afetada por ela, não apenas aqueles preferidos pelo autor. E ela deve funcionar sempre, não só quando o autor acredita precisar dela. Com isso em mente, vamos dar uma olhada nas hipóteses de Gumilev.

Ele começa com uma compreensão comum do invólucro da Terra, parte do qual, junto à litosfera, hidrosfera e atmosfera, é a biosfera. Até aqui nenhuma novidade. O termo "biosfera" se refere a um conjunto de organismos vivos que foi introduzida no século XIX pelo geólogo austríaco Eduard Suess. A hipótese de que a biosfera pode afetar processos que se dão no planeta (por exemplo, como sabemos, o aquecimento global) foi proposta pelo acadêmico Vladimir Vernadsky em 1926.

A novidade começou quando Gumilev conectou dois em uma série de fenômenos desconectados, o geoquímico com o civilizacional, o natural com o histórico. Era, na verdade, o que ele queria dizer ao falar sobre a ciência marxista universal. Verdade, mas para isso ele precisava de uma pequena suposição (um crítico antipático a chamaria de distorção): sob a caneta de Gumilev, a hipótese de Varnadsky subitamente se transforma em energia bioquímica. Dessa metamorfose, a inocente biosfera de Suess subitamente vem à vida, se transformado em um enorme gerador de "energia bioquímica redundante", em um tipo de vulcão celestial, de tempos em tempos cuspindo rios de lava com a energia invisível da terra (uma energia que Gumilev chamou de "passionaridade").

Essas erupções arbitrárias e imprevisíveis da biosfera criam, segundo Gumilev, novas nações ("grupos étnicos") e civilizações ("super etnias"). E quando a passionaridade as abandona, elas resfriam, e morrem. Eis uma solução para a ascensão e queda de meteoros históricos. O que acontece aos grupos étnicos entre nascimento e morte? Aproximadamente a mesma coisa que acontece com seres humanos. Eles se erguem ("a consolidação do sistema"), queda na agitação juvenil ("a fase de superaquecimento energético"), crescem, e, é claro, envelhecem ("a fase do colapso"), então eles se aposentam ("a fase inercial"), e finalmente, eles chegam ao momento da morte ("a fase de ofuscação"). Tudo isso Gumilev chama de "etnogênese".

É assim que se passa: pessoas vivem em paz e quietude, sem incomodar ninguém, e então subitamente elas são atingidas por uma "explosão de etnogênese", e elas abandonam a sociedade e se tornam um "fenômeno da natureza". E desse momento em diante, "valores morais não se aplicam a elas, tal como com fenômenos da natureza". E nada mais depende do "grupo étnico". Nos 1200-1500 anos seguintes (porque a etnogênese dura tanto assim, com aproximadamente trezentos anos para cada fase), o grupo é um prisioneiro de sua "passionaridade". A partir de então, quaisquer mudanças pelas quais ele passa só podem estar ligadas a questões etárias.

Considere por exemplo, a Europa no século XVI: ocorre a Reforma, a burguesia nasce, a Idade Moderna tem início. Por que? Muitos tentaram explicá-lo. A perspectiva de Max Weber preponderou, ligando as origens da burguesia ao protestantismo. Não é nada do tipo, diz Gumilev. Essa é uma questão etária. É uma simples questão de que na Europa houve uma mudança da "fase de colapso"à "fase inercial". E o que é a "fase inercial"? Um declínio, uma perda de vitalidade, um perecimento gradual: "A imagem desse declínio é enganosa. Ela traja uma máscara de bem estar, que parece eterna para os seus contemporâneos. Mas este não passa de um engano consolador, como se torna aparente assim que haja uma subsequente e, dessa vez, fatal queda".

Ele está, como o leitor compreende, falando da "super etnia" europeia. Três séculos após entrar na "fase inercial", ela desabou em agonia e depois se transformou em um morto-vivo. A Rússia é outra questão. Ela é muito mais jovem (por cinco séculos, segundo estimativas de Gumilev) do que a Europa; ela ainda tem uma longa vida. Mas ela também é, certamente, prisioneira de sua idade. Isso explica o que ocorre a ela. Outros ficam confusos com a origem, por exemplo, da perestroika. Para Gumilev não há segredo aqui; é uma questão etária: "Nós estamos no fim da 'fase de colapso' (se preferimos, no clímax)."

A tentativa de Arnold Toynbee de oferecer algumas razões históricas gerais para o desaparecimento das civilizações antigas (ele as fornece em seus doze volumes de Ciência da História) parece frívola para Gumilev: "Toynbee só consegue comprometer o frutífero conceito científico com argumentos fracos e a incapacidade de sua aplicação". Bem, considerando que Gumilev zombou de Max Weber, ele zombar de Toynbee não deveria surpreender o leitor.

Porém, cada um desses gigantes deixou uma poderosa escola científica, em contraste a Gumilev. E Gumilev se sentiria humilhado se ele pudesse olhar nos corações de seus estudantes para descobrir que eles nunca nem souberam que ele existia, e ainda não sabem de sua existência. O mundo simplesmente não sabe que Gumilev criou uma ciência marxista universal que não só explica o passado, mas também prevê o futuro, e que o fenômeno que ele descobriu "pode resolver os problemas da etnogênese e da história étnica". Afinal, este foi o drama de sua geração.

História "Patriótica"

A significância da hipótese de Gumilev, como vemos, está em sua explicação de eventos históricos através de fenômenos naturais: como erupções da biosfera. Mas como aprendemos sobre essas perturbações naturais? Ela aparece, pelo estudo da história: "Em todas as fases, a etnogênese é o produto da ciência natural, mas o seu estudo só é possível através do conhecimento da história". Em outras palavras, nós não sabemos nada sobre a atividade biosférica que produz etnias, exceto que ela, na opinião de Gumilev, as produz. Se um novo grupo étnico aparecer sobre o mundo, isso quer dizer que a biosfera entrou em erupção.

Como, porém, podemos aprender que o mundo tem um novo grupo étnico? Parece que a partir da "explosão passionaria". Em outras palavras, da erupção da biosfera? Parece que ao explicar fenômenos naturais através de eventos históricos, nós temos ao mesmo tempo que explicar eventos históricos através de fenômenos naturais. Essa exótica explicação circular, misturando o objeto das ciências exatas com o de ciências humanas, demanda dupla meticulosidade da parte do autor. No mínimo, ele deve explicar para o leitor o que uma nova etnicidade significa: o que a torna nova e sob que critérios objetivos podemos determinar sua novidade? O paradoxo da hipótese de Gumilev é que ela não possui outro critério que o "patriotismo".

É claro que provar uma hipótese baseada em um um critério tão específico não é fácil. E para explicar o acontecimento da "super etnia" grão-russa, que era seu único interesse, Gumilev teve que virar tudo de cabeça para baixo, modificando a história que nos é conhecida desde nossos anos escolares. Ele começou bem longe, com as cruzadas da cavalaria europeia. A visão convencional delas é que ao fim do século XI, os cavaleiros foram libertar a Terra Santa dos "infieis" que a haviam tomado. A aventura, porém, foi atrasada por dois séculos. Primeiro, os cavaleiros conseguiram tomar Jerusalém dos seljúcidas, e até estabeleceram um Estado cristão, mas então os árabes os expulsaram. Então, por algum motivo, o grosso dos combates foi para o seio do Império Bizantino. Os cavaleiros tomaram Constantinopla e formaram o efêmero Império Latino. Eles então foram expulsos dali também. Em resumo, uma história confusa e um tanto ridícula. Mas o que isso tem a ver com a "super etnia" grão-russa?

Está tudo ligado, Gumilex explica, porque, contrariamente aos fatos conhecidos, a Terra Santa, Jerusalém, e Constantinopla eram apenas um ramo marginal do "imperialismo europeu". O foco principal da expansão era a colonização da Rússia. Por que a Rússia? Este é o segredo da história "patriótica". Ademais, os cruzados não apareceram em terra russa. Nós temos que assumir que ao se referir à "Rússia" ele na verdade quer se referir ao Báltico com seus castelos e Riga e Revel (hoje Tallinn) como seus centros comerciais, para onde, sob o pretexto de converter pagãos ao cristianismo, um ramo de cruzados respingou. Ali, ao redor desses castelos, uma pequena Ordem dos Irmãos da Espada se assentou.

Os beligerantes pagãos lituanos, porém, não gostaram de seus vizinhos, e em 1236, na Batalha de Siauliai, eles esmagaram os Irmãos da Espada e os pskovianos ortodoxos que se aliaram a eles. A Liga Hanseática de cidades alemães, não querendo desistir de seus recursos para infieis, convidou centenas de "teutônicos" para ocupar os fortes. É claro para o leitor na Rússia, que nunca ouviu falar na Batalha de Siauliai (mesmo as enciclopedias soviéticas não a mencionam), e educados pelo filme Alexander Nevsky (onde a escaramuça ordinária dos novgorodianos com esses "teutônicos" na qual ambos os lados se safaram quase sem derramar sangue, foi representada como um "massacre"), é difícil imaginar que à época, nos Estados Bálticos, os russos não enfrentaram os alemães, mas os "teutônicos" com os litanos. É claro, em seu tempo livro, "teutônicos" e lituanos não eram avessos a saquear as ricas terras novgorodianas. Seu relacionamento com a Rússia se limitava a isso.

Enfim, a fantasmagoria "patriótica" de Gumilev começa aqui. Essa é sua essência: "Quando a Europa começou a ver a Rússia como objeto de colonização...os mongois pararam cavaleiros e comerciantes". Essa é uma incrível reviravolta. Sob a caneta de Gumilev, a Horda, conquistando a Rússia com fogo e espada, transformando o país em um deserto, e vendendo a flor da juventude nacional para escravidão estrangeira, se tornou subitamente o anjo guardião da independência russa em relação à vilã Europa. Assim ele escreve: "A proteção da independência governamental, ideológica, comum e até mesmo criativa significava guerra com a agressão do Ocidente".

É estranho ouvir sobre "independência" governamental e outros tipos em uma situação na qual a Rússia era uma colônia da Horda. Mas Gumilev tem certeza do papel salutar dos mongois. Na verdade, se não fosse por eles, "a Rússia poderia, realmente, ter se tornado colônia da Europa Ocidental... Nossos ancestrais poderiam ter estado na posição de uma massa étnica oprimida... Podia ter sido assim. Faltava um passo". É uma imagem sombria, no mínimo. Mas é uma fantasia. Poderiam algumas centenas de cavaleiros lutando duro contra os lituanos ameaçar transformar a Rússia em uma grande colônia? Gumilev nos garante, porém, que eles teriam feito exatamente isso se "o gênio apaixonado-por-sacrifício de Alexander Nevsky não tivesse se manifestado aqui. Em troca de ajudar Batu Khan, ele demandou e recebeu ajuda mongol contra os alemães e germanófilos. A agressão católica foi sufocada". (Não nos é dito, porém, quando ou como este ato de agressão começou, nem por que serviços Batu concordou em ajudar Alexander Nevsky a repelir este ato de agressão).

De qualquer maneira, o leitor de Gumilev deve entender sua mensagem principal: nunca houve um jugo mongol. Houve uma troca mútua de serviços, na qual a Rússia "voluntariamente se associou à Horda graças aos esforços de Nevsky, que se tornou filho adotivo de Batu". Uma "simbiose étnica" emergiu dessa associação voluntária. E ela se tornou uma nova super etnia: uma "mistura de eslavos, fino-úgricos, alanos e turcos fundindo-se na nacionalidade grã-russa".

A "Controvérsia" de Gumilev

Bem, nós alteramos a história com uma virada "patriótica": redirecionando as Cruzadas da Palestina e de Bizâncio para a Rússia; representando o jugo mongol como "associação voluntária"; fundindo eslavos e turcos para formar uma nova "nacionalidade", quero dizer, super etnia. Mas como tudo isso, pergunto, se relaciona com as erupções da biosfera e com a "explosão de passionaridade" na qual a essência dos ensinamentos de Gumilev se encontra? Ocorre que essa relação vem do fato de que o velho grupo étnico eslavo em decadência, apesar de já ter ingressado em uma "fase de ofuscação", não obstante resistiu aos novos grão-russos; "o egoísmo estreito era o inimigo objetivo de Alexander Nevsky e seus camaradas". Mas ao mesmo tempo, "a mera presença dessa controvérsia mostra que junto ao processo de decadência, uma nova geração heroica, patriótica e sacrificial apareceu". E foi a "semente de um novo grupo étnico...Moscou tomou a iniciativa de unificar a terra russa porque é onde se acumulava um povo enérgico, apaixonado, indomável".

O que isso significa? Significa que a biosfera entrou em erupção em Moscou nos séculos XIII e XIV e que a "explosão de passionaridade" ocorreu ali. Não há outra evidência e não pode haver. Com isso, Gumilev confirmou sua hipótese. Vamos resumir. Primeiro, há pessoas indomáveis e apaixonadas capazes de se sacrificarem em nome da grandeza de sua super-etnia. Então, algum "gênio da paixão" reune ao seu redor essas "pessoas indomáveis e apaixonadas e as leva à vitória". Há uma "controvérsia", o novo grupo entra em conflito com o egoísmo do velho grupo étnico. Mas no fim, a passionaridade vence, e o velho mundo se rende à mercê do vencedor. O novo grupo étnico se ergue de suas ruínas.

Isso é tudo que Gumilev nos ferece como evidência da novidade do grupo étnico grão-russo? Bem como da erupção da biosfera na Rússia? Este é o único resultado de todas as suas fantásticas manipulações que distorceram a conhecida história do mundo de uma maneira "patriótica"? Mas este é apenas um conjunto trivial de traços comuns a qualquer grande mudança política, e pode ser aplicado a todas as revoluções e reformas no mundo. E em todos os outros casos, esses traços não demandaram qualquer manipulação histórica. Para demonstrar isso, vamos fazer um experimento, aplicando o conjunto de traços de Gumilev da erupção da biosfera à Europa dos séculos XVIII e XIX.

Experimento

Não é verdade que os pensadores iluministas derramaram toda sua energia no renascimento e grandeza da Europa; também uma super-etnia, na terminologia de Gumilev? Por que não chamamos Rousseau, Voltaire, Diderot e Lessing de "passionistas"? Não tiveram eles uma "controvérsia" com o antigo "grupo étnico" feudal? E eles não testemunharam a Europa "junto ao processo de colapso, erguer uma nova geração patriótica, heroica e sacrificial?". Em 1789, não levaram todas essas coisas à grande revolução, em cujo curso Napoleão (que Gumilev descreveu, em admiração, como um "gênio da paixão", em todo caso igual a Alexander Nevsky) emergiu no palco da história? Especialmente porque não foi necessário para Napoleão, em contrasto ao abençoado príncipe, fornecer serviços ao Khan bárbaro, suprimindo a rebelião de seu povo desesperado sob um jugo estrangeiro, desculpe, sob uma "associação voluntária"? O "egoísmo estreito" das velhas monarquias não resistiram à nova geração? E ela não se rendeu finalmente à mercê do vencedor?

Como podemos ver, tudo isso bate com a descrição de Gumilev da erupção da biosfera e da "explosão passionaria" (exceto que o "gênio da paixão" europeu o fez sem a ajuda mongol). Então o que nos impede de assumir que a biosfera entrou em erupção nos séculos XVIII e XIX na Europa? Podemos considerar o dia de 4 de julho de 1789 como o nascimento de uma nova super-etnia europeia? (Gumilev declarou o nascimento da super-etnia grã-russa como 8 de setembro de 1381). Ou podemos assumir que essa explosão apaixonada era inválida por razões "patrióticas"? Nós não podemos nos realmente nos permitir crer que a Europa "decadente", que entrava, como descobrimos em dúzias de páginas, em uma "fase de ofuscação", era realmente cinco séculos mais jovem que a Rússia.

Certo, vamos esquecer a Europa; este tema é doloroso demais para Gumilev e seus adeptos "patrióticos" (um adversário diria que ele veio com essa hipótese por hostilidade à Europa). Mas o que impediria que algum "patriota" japonês de declarar, com base nos ensinamentos de Gumilev 1868 como sendo o nascimento de uma nova "etnia" japonesa? Afinal, neste ano o "gênio da paixão" do Imperador Meiji retirou o Japão de séculos de isolamento e atraso; meio século depois, o Japão derrotou a grande potência europeia Rússia e, após mais meio século, desafiou a grande potência transatlântica América. Com que base, eu pergunto, podemos impedir os "patrioticamente afinados japoneses de terem uma maravilhosa erupção da biosfera em seu país no século XIX?

Mas isso representaria desastre para a hipótese de Gumilev! Ele moveu céus e terras por sua hipótese; ele não se esquivou das mais incríveis manipulações históricas para mostrar que a Rússia é a "etnia" mais jovem do mundo. E acontece que ela é mais velha, por séculos, não apenas que a Europa, mas também que o Japão. E isso não é tudo.

Os Caprichos da Biosfera

O leitor certamente fica assustado com o estranho comportamento da biosfera após o século XIV. Por que, eu pergunto, a sua atividade "passionária" cessou imediatamente após dar origem à Rússia? É claro, a biosfera é imprevisível. Mas mesmo assim, mesmo olhando para a tabela que Gumilev preparou para os leitores, é claro que não houve nenhum outro período na história com tão inexcusável inatividade, nem uma única erupção em seis séculos! Ou algo está errado com a biosfera, ou Gumilev fechou a torneira por razões "patrióticas". Porque vai que a erupção ocorra no lugar errado. Na América, por exemplo. Ou na África, a qual, por alguma razão estranha, foi ignorada por vinte e dois séculos.

Mas falando a sério, é difícil encontrar um exemplo no qual a teoria da etnogênese de Gumilev funcione bem. Vamos começar pelo fato de que o Califado Árabe durou apenas dois séculos (do século VII ao século IX), nem chegando perto as cinco "fases" obrigatórias da etnogênese, com trezentos anos cada aproximadamente. E o que aconteceu na China não é explicado pela hipótese de Gumilev: na verdade ela morreu no século XIX, entrou em uma "fase de ofuscação", e subitamente ressuscitou. Mas que ressurreição! Ninguém além da biosfera, segundo Gumilev, poderia dar uma segunda vida, apesar de sua hipótese não dar espaço para algo como isso.

O que podemos tirar disso tudo? O que há nos ensinamentos de Gumilev para "inebriar todo o país" após sua morte em 1992? O que "a única escola histórica séria" deveria ter deixado para trás (apesar de não tê-lo feito)? Uma mistura de megalomania, terminologia cientificista e voluntarismo "patriótico"? Bem, Gumilev pagou um alto preço por sua fatídica dissonância soviética. Neste sentido, ele foi mais uma vítima do isolamento soviético do mundo. Um triste destino. 

Ernst Niekisch - Por uma Política Revolucionária

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por Ernst Niekisch

(1926)



"Mas isto tendo sido dito: Se assinarmos esta paz, nós estaremos sob a coação da força. Em nosso coração dos corações, discordamos dessa paz". - Vorwärts, 8 de maio de 1919

A política alemã é tal que não se pode ter outos objetivos que a reconquista da independência nacional, a ruptura dos grilhões impostos, a reconstituição de uma influência global relevante. Desdea perspectiva alemã, naturalmente nossa, não há nada mais importante que esses objetivos. Toda nossa política doméstica, social, econômica e cultural deve receber este impulso, sua linha geral e o espírito que a domina. O sentimento dessa necessidade está perto de se tornar onipresente!

Quantas vezes, ao deixarmos as preocupações da política doméstica dominar, nossa política externa foi deixada fora de nosso campo de visão. Há "grandes" jornais alemães que quase nunca falam em política externa, como se isso a tornasse parte das banalidades de nossa existência nacional. Em contraste, cada atraso na modificação da tabuleta do Tesouro Público, que continua no estilo monarquista, os preocupa em outra medida. Sem uma palavra a dizer, nem um pouco incomodados, não tendo a consciência silenciosa, eles se despojam do jogo da política global, por conta de nossa fraqueza, impondo a nós incontáveis humilhações, injustiças e investidas perigosas contra o futuro do Reich. Assim, grandes seções de nosso povo buscam pela causa de seu infortúnio exclusivamente dentro da situação doméstica. Eles esperam que será suficiente substituir algum alto funcionário, dissolver uma organização secreta, modificar uma tarifa de importação diferente, reduzir taxas alfandegárias, convocar ou dissolver o Reichstag, organizar novas eleições, que tudo vai mudar no interior do país. Eles ignoram o conteúdo do Tratado de Paz. Eles não sabem que o comissário a cargo das reparações é o homem mais poderoso na Alemanha, que nossas ferrovias e dinheiro estão em suas mãos. Eles não tem a ideia de expor o peso que nos esmaga e eles não entendem que o Plano Dawes, finalmente, é uma questão que afeta os salários dos alemães. O padrão de vida do trabalhador alemão é reduzido na medida em que pagamos as obrigações do Plano Dawes. O custo de vida para o trabalhador, de uma parte, e a Convenção Dawes além do Tratado de Versalhes, de outra parte, são incompatíveis. Rasgar esses tratados, revogar as obrigações que eles impõem, romper com os compromissos seria a única política alemã que salvaria o trabalhador de uma subjugação irremediável. Neste ponto, as necessidades do trabalhador e os interesses da nação coincidem: se ela ousar lutar por seu espaço vital e sua liberdade, ela liderará, ao mesmo tempo, a batlaha pela libertação de toda a nação. A missão nacional confiada a nós e a forma pela qual ela será realizada dependerá de seu futuro social e posição política.

Ninguém, nem mesmo em caso de loucura, pode, neste momento, visualizar a luta aberta. Isso demandaria táticas razoáveis das quais não dispomos. Mas nós poderíamos também lucrar com as vantagens de conjunturas globais, que nos são proibidas. É conveniente ter paciência. Não obstante, nós não devemos cair em uma paciência inativa, uma paciência de relaxamento e desmoralização. Nós devemos nos preparar para as grandes tarefas: morais, organizacionais e outras. A questão é saber se temos fôlego suficiente, se persistiremos, aguentaremos, se não nos acomodaremos preguiçosamente a nosso destino, se nós não aceitaremos frouxamente os fatos. Somos fortes, perseverantes, convictos na defesa de nossa causa, nossa fé, nosso futuro contra um mundo hostil e poderoso em excesso, mesmo que pareça absurdo, impossível e desvantajoso assumir essa missão? Vamos nos opôr com vontade inflexível, um espírito de resistência inabalável ao ataque de potências estrangeiras, despóticas, pretensiosas, violentas e intolerantes, se gabando de vitórias adquiridas sem combate? Se nós conservarmos infalivelmente essa vontade e este espírito, nós só permaneceremos em nossa situação impotente atual por um período que superaremos, que não vai nos derrubar e o abandonaremos com coragem.

É verdade que a força e duração da resistência é determinada pelo fato de que se apreende na consciência, instintivamente ou com conhecimento de causa, as fontes profundas e vívidas que alimentam os poderes contra os quais essa resistência deve ser dirigida. É hora de compreender que uma das origens de nosso infortúnio é a espiritualidade ocidental, essa espiritualidade que, com seus traços "liberais" e alegres melodias "progressistas" foi até capaz de conquistar os trabalhadores. Fielmente, ela reproduz a imagem de mundo dos capitães industriais ingleses e dos financistas franceses, como se ela pudesse realmente ser a expressão e objetivo da existência, do milieu proletário e seus desejos. Ser ocidental significa: usar a palavra liberdade, para fazer fraudes; se declarar partidário da humanidade, para preparar o caminho para crimes; destruir povos por meio de apelos à paz. A Grã-Bretanha, a "livre" Inglaterra, estrangulou indianos e egípcios. A França, generosa e humana, envenenou marroquinos e sírios. Essas grandes nações nadam no sangue de povos escravizados por virtude da missão "civilizatória" que é a deles. A paz "justa" que a eminência ocidental Wilson prometeu, essa foi a paz ditada para nós em Versalhes.

Nós contribuímos para os objetivos dos Estados vitoriosos se continuarmos a dar refúgio e tolerar seu espírito. Nós carecemos de confiança em nós mesmos, a garantia soberania, de nos prepararmos para dar um golpe, se instalarmos em nossa terra os princípios deles. Nessas condições, as explicações carecem de paixões, grandeza histórica e profundidade simbólica. O debate não vai mais lidar com qualquer coisa essencial, significativa ou tocar questões profundas. A Rússia compreende isso bem, quando sua independência foi ameaçada pela sobrepujante supremacia ocidental: naquele mmento, ela rompeu com tudo que não era de origem russa, com a cultura, a economia, as regras políticas e sociais do Ocidente, com o seu pathos e força invisível. Na Alemanha, porém, a situação é muito diferente. Em nosso país, não só indivíduos mas partidos políticos inteiros são fascinados pelo espírito ocidental. Por um longo tempo, certos milieus capitalistas, particularmente os da grande burguesia, tem se entregado, de corpo e alma, ao Ocidente. outros pensam ser útil, por razões econômicas, ganhar sua confiança. Há não muito tempo, o professor Bonn disse: "O monopólio nacional não pode mais se garantir de rendas e investimentos de capital habituais. É então que eles fraternalmente oferecem sua mão direita através das fronteiras, onde havia estado o inimigo, eles gritam: 'esqueçam o passado!'. Para salvaguardar seu monopólio, eles se tornaram cosmopolitas. 'Nas salas de reunião e na projeção de propaganda já se percebe o cheiro da confraternização de povos'." Para preservar seus lucros, eles se alinharam contra seu próprio país e bajulam franceses, ingleses e americanas na caça por saques. Eles vendem o futuro da nação para obter uma "cota mais alta no mercado de ações". Os defensores de um acordo com o Ocidente, cujo objetivo é fazer da situação criada por Versalhes permanente, são, no interior de nosso país, os agentes e advogados de interesses inimigos. Alguém que queira feri-los não está fazendo política doméstica, mas externa. É necessário que consideremos e tratemos como corruptores da nação todos aqueles que, para terem sucesso nos negócios, favorecem o enfraquecimento do espírito de oposição ao Ocidente. Isso se aplica igualmente àqueles "alemães" que apoiam ativamente a execução do tratado, que teriam suas próprias razões (sobre as quais eles não falam), na mesma ocasião embolsando milhares de marcos. Eles estão longe de nós, eles são estrangeiros e inimigos como todos aqueles que, invocando Versalhes, ganham a vida. A revolta e resistência sem trégua contra eles e contra tudo que é ocidental, dentro e fora de nossas fronteiras, deve se tornar nossa atitude natural.

Certamente, isto é revolucionário. Mas não se deve deixar dúvidas: isto quer dizer, ou somos um povo revolucionário, ou atolaremos na lama, e deixaremos de ser um povo livre para sempre. 

Franco Ferraresi - A Doutrina do Guerreiro

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por Franco Ferraresi



O panorama de grupos que, de 1976 a 1981-82, se originaram na Itália, e especialmente Roma, de negra reputação, com inúmeros episódios de violência, greves, ataques, homicídios, assaltos, e até provavelmente massacres, não pode ser traçado aqui. Só é possível tentar indicar o impacto das doutrinas dos mentores intelectuais e as formulações dos grupos militantes. Uma tarefa extremamente complexa, já que esses grupos militantes geralmente se formavam espontaneamente, e eles espacam de todo enquadramento ideológico exato, pelo que é difícil marcar suas ações, a fronteira entre o ato político e o ato puramente criminoso (muito comumente, por exemplo, assaltos, no início organizados para financiar o movimento e ajudar camaradas em dificuldade, então se tornaram um instrumento de enriquecimento para os perpetradores). Sem mencionar a extrema fragmentação e dispersão de raros materiais documentais, ainda longe de serem conhecidos de maneira sistemática.

Por exemplo, e sem a pretensão de ser exaustivo, podemos indicar aqui as posições da Quex, o boletim informativo dos prisioneitos políticos de direita, publicado entre 1978 e 1981. Todos os seus editores, do momento em que escreveram, estavam encarcerados, alguns com penas bem graves, como é o caso do líder do grupo, sr. Tuti, condenado à perpétua pelo assassinato de dois policiais durante uma briga causada por sua prisão. A publicação expressa de maneira relativamente sistemática e continua os pontos de vista de uma corrente, a do "espontaneísmo armado", recusando por natureza desenvolver suas próprias ideias com uma plenitude que ultrapasse a de um panfleto ou documento interno.

Quex se situa explicitamente na corrente Evola-Freda, a partir da qual ela reconhece o mérito fundamental de ter determinado uma posição teórica capaz de levar à ação militante, os "objetivos da pequena guerra santa". O ponto de partida de sua teorização, a partir de então adquirida pela direita radical, é a recusa de todos os laços estruturais. Para o homem diferenciado, para aquele que quer ser capaz de "cavalgar o tigre", a única possibilidade é a de "se misturar na sociedade, mas reagindo quando sua honra e dignidade o demandam, ou seja...sempre. Ações desse tipo são perfeitamente possíveis mesmo que sejam conduzidas por militantes isolados ou 'grupúsculos informais' de 2 ou 3 camaradas; eles podem, por um fenômeno espontâneo, se expandir continuamente". É precisamente a carência nos planos materiais e organizacionais que constitui a premissa da luta espontânea: "Espontaneidade! Essa é a palavra de ordem sendo lançada pela vanguarda aos seus camaradas".

A ação exemplar é o resultado natural da espontaneidade; ela se distingue tanto do terrorismo (já que ela é aberta e concentra a atenção de todos sobre o grupo que a realizou) quanto do gesto do anarquista (porque "ela não é feita para satisfazer as demandas libertinas da parte do militante, que não devem existir"): isso para não mencionar a estratégia leninista e gramscista cuja essência é o "trabalho da formiga" (fazendo referência à fábula). A escolha da ação exemplar deriva dos cânones de natureza existencial antes da política: "Não é ao poder que aspiramos, nem, necessariamente, à criação de uma nova ordem... É a luta que nos interessa, é a ação em si, o combate diário pela afirmação de nossa própria natureza".

Este é o ponto decisivo: a ação desprovida de referências precisas a um objetivo específico corresponde a um topos clássico da ética guerreira que os militantes revolucionários permanentemente reivindicavam. Uma vez mais, a referência fundamental vem da obra de Evola, cujos ensinamentos na matéria foram destilados e condensados em um texto de 1940 que, reimpresso por Freda em 1970 e 1977, constitui um tipo de breviário místico-ascético do soldado político. Esse escrito começa com a afirmação de que o contraste entre ação e contemplação, típico da civilização ocidental, era desconhecido para os antigos arianos, para quem a ação poderia ser o instrumento de realização espiritual, ou seja capaz de empurrar o homem para além de seu condicionamento individual e envolvê-lo em uma realidade sobrenatural. Guerra, é claro, na categoria de ação, corresponde a um conflito eterno de forças metafísicas: por um lado, o princípio olímpico da luz, a realidade solar e urânica, pelo outro, a violência em seu estado cru, o elemento titânico-telúrico, bárbaro no sentido clássico, feminino, demoníaco. Este é o pensamento de Evola. Seus discípulos o ecoam: "Para nós, ser legionário significa ser soldado das forças luminosas contra tudo que é telurismo e caos. Assim, a luta para o legionário não é uma ação exclusivamente material, mas essencialmente espiritual". Na tradição antiga, a guerra e o caminho do divino se fundiam em uma única entidade. Isso se aplica ao mundo nórdico-germânico, onde o Valhalla é o assento da imortalidade eminente reservada aos herois cáidos no campo de batalha. "Sacrifício algum agrada Odin-Wotan, senhor de Valhalla, tanto quanto o oferecido pelo homem que morre em combate". Neste ponto, ousso tema: "O legionário claramente percebe seu próprio ser na Morte Heroica... Ele sempre teve em seu coração o pensamento da morte, de modo a estar pronto a qualquer instante para embarcar serenamente com ele na viagem triunfal para o Valhalla... o Reino dos Herois". Estes conceitos, segundo Evola, também constitui o núcleo de tradição islâmica na teoria da guerra dupla: a "menor", material, travada contra o inimigo ou infiel (neste caso, chamada "pequena guerra santa"), e a "grande guerra santa", de ordem interna ou espiritual, a luta do elemento sobre-humano do homem contra tudo que é instintivo, fervoroso, sujeito às forças da natureza. A essência dessa concepção, segundo Evola, está na visão da "pequena" guerra como meio de realizar, em perfeita simultaneidade, a grande: é por isso que "guerra santa" e "o caminho divino", jihad, são muitas vezes usados como sinônimos. O eco dessa ideia no Quex é literal: "A essência da ação legionária deve remeter ao par pequena guerra santa/grande guerra santa... Assim, isso estabelecerá que tipo de ação se adequa de maneira funcional e contemporânea à pequena e grande guerra santa".

Finalmente, a tradição indo-ariana do Bhagavad-Gita, onde o deus Krishna condena como covardia os escrúpulos humanitários que impedem o guerreiro Arjuna de descer ao campo de tabalha: o dever de lutar tem suas origens no juízo divino, que ignora toda necessidade terrena, da mesma maneira, a ação heroica deve ser realizada por si própria, para além de motivações contingentes, de toda paixão, de toda utilidade vulgar. "Na medida em que o guerreiro é capaz de aginr em pureza e absolutismo... ele rompe as correntes da humanidade, ele evoca o divino como força metafísica". Do Bhagavad-Gita, passando por Evola, ao Quex, "a ação é feita por si mesma e pela pureza que aquele que a realiza possui, ignorando sua utilidade ou inutilidade para os fins da estratégia global".

Exercícios inofensivos dos adeptos do esoterismo? Devemos duvidar disso se considerarmos a totalidade de condenações acumuladas pelos editores do Quex. O problema se parece a qualquer outro: verificar que estes mitos e conceitos, reproduzidos por um pequeno número de indivíduos possuindo uma inclinação particular à reflexão doutrinária (estando separados da ação por conta de força maior...) constituem um legado real para militantes ativos na base. Infelizmente, o ainda pequeno grau de nosso conhecimento sobre essas figuras não nos permite dar uma resposta satisfatória a esta questão neste momento.


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Mogens Gallardo - Ecologia Profunda

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por Mogens Gallardo



Os movimentos ambientais modernos incluem uma diversidade de filosofias fundamentais. Algumas tem, atualmente, influência maior, enquanto outras estão em suas infâncias:

* Os conservacionistas, uma das filosofias antigas dos movimentos ambientais. O ambiente e a natureza devem ser usados e protegidos ao mesmo tempo. Por isso, se baseia em uma visão antropocêntrica e a natureza não tem direitos para além de servir aos interesses dos seres humanos.

* Os preservacionistas, do século XIX. A natureza existe para ser desfrutada e deve, portanto, ser preservada e protegida para nosso agrado futuro. Novamente, se baseia em premissas antropocêntricas, sua utilidade é somente como benefício para o ser humano, ainda que com fins mais benignos.

* Ecologia social e ecofeminismo, ambos só recentemente definidos e até agora não resultaram em instituições sem fins de lucro. Ao contrário, passaram a formar parte de outros movimentos ambientais. Depositam grande valor no ser humano e sua existência, mas reconhecem a característica única da natureza. Solucionariam os conflitos ambientais conciliando os conflitos nas relações humanas.

* Ecologia superficial ou reformista, a luta a contaminação e a diminuição ou desaparecimento de recursos, pois se tem como objetivo central proteger a saúde e as condições de vida dos habitantes dos países desenvolvidos.

A Ecologia Profunda

Estabelecida por Arne Naess, como termo e sem intenções de que se transformasse em uma ideologia de alcance tão longo. Não propôs algo realmente novo, mas sim algo que gera uma visão integrada de vários conceitos. Se estabelecem fundamentações basais, segundo Naess:

1 - O rechaço de que o ser humano seja apenas um organismo no ambiente, ao contrário estabelecendo a imagem de relação total integrada.

2 - A igualdade biocêntrica, todas as coisas naturais, os ecossistemas, a vida, as paisagens, os solos, montanhas, etc., todos tem um direito intrínseco a existir. A presença desse valor é independente de qualquer consciência, interesse ou apreciação de um ser consciente.

3 - A autorrealização e a diversidade de formas, sejam organismos, comunidades, ecossistemas, paisagens, etc., ou no âmbito humano: os direitos humanos, formas de vida, culturas, igualdade dos sexos, luta contra invasão e dominações de tipo cultural, econômicas e militares, etc.

Segundo Bill Devall, existem duas grandes linhas de ambientalismo na atualidade:

* Os ambientalistas reformistas, que buscam controlar o pior da contaminação aérea, aquática e os usos ineficientes de solos nos países industrializados e salvar alguns pedaços que ficam de natureza como "áreas designadas como reservas naturais".

* Os "ecologistas profundos", apoiam algumas das mesmas metas que os reformistas, mas são revolucionários no sentido de que buscam uma nova cosmovisão.

Se denominam também ecopsicologia, ecologia fundacional, ecologia radical ou ecologia revolucionária, mas pelas associações que alguns termos trazem, se prefere "ecologia profunda".

Ambas são reações aos êxitos e fracassos do paradigma social dominante.

Um paradigma é uma breve descrição de uma cosmovisão, uma coleção de valores, crenças, hábitos e normas que formam o marco de referência da generalidade das pessoas que compartilham um país, uma religião ou uma classe social.

"Um paradigma social dominante é uma imagem mental da realidade social que guia as expectativas em uma sociedade".

Nos EUA e consequentemente no Chile o paradigma dominante inclui a crença no "crescimento econômico", medida pelo "Produto Nacional Bruto", como medidor de progresso. A crença de que a meta principal do governo das nações, depois da defesa, é criar as condições que aumentarão a produção de comodidades e que assim atenderá aos desejos materiais dos cidadãos, junto com a crença de que a "tecnologia solucionará os problemas". A Natureza neste paradigma é só um armazém de recursos que deveria ser "desenvolvido" para satisfazer as necessidades crescentes de um número crescente de habitantes. O novo tem precedência sobre o velho. A meta das pessoas é a satisfação pessoal de necessidades e um padrão de vida mais alto mensurado através da posse de comodidades (carros, casas, etc.)

Para alguns autores, este paradigma deriva de origens judaico-cristãs, do homem vs a natureza, do homem em guerra com a natureza. Para outros se deve à estrutura do capitalismo ou derivado de Locke, em cuja visão a propriedade deve ser "melhorada" para torná-la mais valiosa para o "dono" e a sociedade.

Para outros é o derivado do "cientificismo" do Ocidente moderno, fazendo referência à técnica de dominação.

A Ecologia Profunda tem como premissa uma integração total da pessoa-em-natureza. Não está nem por cima, nem fora da natureza. É uma parte íntegra da criação em movimento. Uma pessoa respeita, cuida e mostra reverência pela natureza, respeito pela natureza não-humana, deixa que a natureza não-humana siga destinos evolutivos separados. Por isso, a diferença dos reformistas, não é um movimento pragmático, mas questiona e apresenta alternativas às formas convencionais de pensamento ocidental moderno. Entende que algumas das "soluções" dos reformistas são contraproducentes e busca, por isso, a transformação de valores e organização social.

O maior influxo veio das culturas orientais, do espiritualismo oriental, através de Alan Watts, Daisetz Suzuki. Estas lhe transmitiram uma visão radicalmente distinta do homem/natureza. Influente foi, também, o ecofilósofo Gary Snyder.

Começou-se a realizar comparações e paralelos entre tradições filosóficas relacionadas com a ciência, tecnologia e relações homem/natureza:

* Tao da Física, Fritjof Capra, fazendo um paralelo entre as filosofias orientais e a ciência física moderna.

* Joseph Needham, Ciência e Tecnologia na China, que pôs em evidência o alto nível de ciência, tecnologia e civilização alcançada pelo Oriente por milênios, dando um enfoque alternativo à ciência e aos valores humanos.

* Trabalhos de Huston Smith e outros ressaltaram a crise ambiental e a relacionaram com os valores dominantes no paradigma ocidental, e por isso olharam para as filosofias orientais como guias religioso-espirituais.

Segundo influxo:

A reavaliação das culturas nativas, de índios americanos, não como "nobres selvagens", mas objetivamente sob uma lupa comparativa, analítica e crítica. Como eles agiam perante mudanças ambientais e inovações tecnológicas. As realidades "separadas" eram o que aos olhos dos nativos? Carlos Castañeda e sua experiência demonstram que intelectuais ocidentais estão quase completamente despreparados para compreender tradições esotéricas. A visão de nativos americanos contrasta de forma notável com o paradigma ocidental, como exemplo, uma citação de Luther Urso Parado, um sioux oglala:"Nós não pensávamos que as grandes planícies, nem que as amplas colinas, nem que os sinuosos esteiros emaranhados com crescimento eram "selvagens". Só para o homem branco a natureza era 'selvagem', só para ele a terra estava 'infestada' de animais e pessoas 'selvagens'. Para nós, ela era domesticada. A Terra era frutífera e estávamos rodeados pelas bênçãos do Grande Mistério. Não foi até que o homem peludo chegou do leste, que com sua loucura gerou injustiças sobre nós e nossas famílias, que ela se tornou 'selvagem'. Quando até os animais dos bosques começaram a fugir diante dele, foi aí que começou o 'Oeste Selvagem'."

Terceiro influxo:

A "Tradição Minorista" de setores religiosos e filosóficos ocidentais, como Spinoza, Leopold, Muir, Teofrasto, São Francisco de Assis, etc., que defendiam um entrelaçamento indissolúvel entre Deus-Natureza-Homem. Alguns autores influentes veem o filósofo Spinoza como o criador de uma ética de igualdade biosférica.

Quarto influxo:

A ecologia, mas mais como perspectiva, e não como ciência. Portanto, não tem funções de remediadores, postura que é muito próxima a de um engenheiro ambiental, função rechaçada pelos ecologistas profundos, mas como subversivos em suas perspectivas, líderes intelectuais como Aldo Leopold desafiam as maiores premissas do paradigma social dominante.

Último influxo:

Artistas que se contrapuseram à arte pop, ao minimalismo e às artes conceituais, como Ansel Adams, Morris Graves e Larry Gray. Mostram uma clareza e objetividade em suas visões da natureza.

Portanto, a Ecologia Profunda propugna por:

1 - Uma nova metafísica cósmica/ecológica que ponha ênfase na identidade dos humanos com a natureza não-humana como única maneira viável de estabelecer uma ecofilosofia. A igualdade biológica. Se demanda uma aproximação objetiva da natureza.

2 - Uma nova psicologia que possa integrar a metafísica na mente da sociedade pós-industrial.

3 - Que haja uma base objetiva para o ambientalismo, mas não baseada na estreita concepção analítica do método científico dominante na atualidade. Baseando-se na sabedoria antiga e na perspectiva antiga da ciência como contempladora do cosmo e ampliadora do conhecimento de si mesmo e da criação.

4 - Que há uma sabedoria intrínseca nos processos naturais não perturbados por ações humanas.

5 - Que nem a qualidade, nem o bem-estar humanos devem ser mensurados com base na quantidade de produtos. A tecnologia deveria passar a ser um meio adequado ao bem-estar humano, não como fim em si mesmo.

6 - Que se deve determinar o nível óptimo de carga do planeta, da biosfera, de setores específicos, etc. Uma redução drástica do crescimento demográfico deveria ser realizado através de métodos humanos de controle de natalidade.

7 - Que a economia deve estar subordinada a critérios ético-ecológicos. A economia deve passar a ser uma subárea da ecologia.

8 - Que a sociedade industrial não é algo que toda sociedade deva necessariamente tratar de alcançar e imitar.

9 - Que a diversidade é desejável culturalmente e como fundamento de saúde e estabilidade nos ecossistemas.

10 - Que é necessária uma tendência rápida rumo a métodos "suaves" de geração de energia e de utilização de tecnologias "adequadas". Portanto, uma redução drástica do consumo energético em países desenvolvidos e incrementar energia "adequada" em países subdesenvolvidos.

11 - Que a educação deve fomentar como objetivo principal o desenvolvimento espiritual e da personalidade dos membros de uma comunidade.

12 - Que deve haver mais ócio sob a forma de contemplação das artes plásticas, das danças, da música e das destrezas físicas como ponto de partida para o desenvolvimento pleno dos indivíduos e das realizações culturais.

13 - Que deve haver autonomia local e descentralização.

14 - Que setores da biosfera e do meio ambiente devem ser declarados fora de limites para a exploração industrial e para o assentamento humano em grande escala, até que se atinja uma economia estável e padrões sociais modificados.

Tabela de Resumo

PARADIGMA
DOMINANTE
ECOLOGIA
PROFUNDA
Dominação sobre a natureza
Em harmonia com a natureza
Ambiente natural como um recurso para os humanos
Toda a natureza tem valor intrínseco
Crescimiento material e econômico para uma população cresciente de humanos
Necessidades elegantemente simples
Crença em recursos e reservas amplas, ilimitadas
Reservas terrestres limitadas
Progresso e soluções de alta tecnologia
Tecnologia apropiada, ciência no-dominante
Consumismo
Viver con o que é suficiente/reciclagem/eficiência
Comunidade
centralizada/nações
Tradições minoritárias/biorregiões

Joseph Pearce - A Voz de um Profeta: Solzhenitsyn sobre a Crise Ucraniana

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por Joseph Pearce



Aleksandr Solzhenitsyn foi muitas coisas. Um corajoso defensor da liberdade em uma era de totalitarismo. Um corajoso crítico do comunismo. Um corajoso crítico do Ocidente hedonista moderno. Um grande historiador. Um grande romancista. Ganhador do Prêmio Nobel. Um profeta.

Em relação a esta última característica, Solzhenitsyn profetizou, no auge do poder soviético, que ele viveria mais que a URSS e retornaria a sua nativa Rússia após o fim da União Soviética. Como costuma ocorrer com profetas, ele não foi levado a sério. Era assumido por todos os "especialistas" que o Império Soviético estava aqui para ficar e seria parte da paisagem geopolítica global pelo futuro próximo. Como a história demonstrou, o profeta estava certo e os especialistas errados.

Claramente vale a pena levar Solzhenitsyn a sério. Em nenhum outro lugar isso é mais evidente do que em sua notável presciência em relação a atual crise na Ucrânia.

Tão cedo quanto 1968, durante a escrita do que posteriormente seria publicado como O Arquipélago Gulag, ele escreveu sobre seus medos de um futuro conflito entre Rússia e Ucrânia: "Me doi escrever isso porque Ucrânia e Rússia estão misturadas em meu sangue, em meu coração, e em meus pensamentos. Mas a larga experiência de contatos amistosos com ucranianos nos campos me mostrou o quão dolorosamente eles se ressentem. Nossa geração não escapará de pagar pelos erros de nossos pais".

Prevendo a ascenção do nacionalismo e suas reivindicações territoriais, Solzhenitsyn lamentava ser muito mais fácil "bater o pé e berrar Isto é meu!" do que buscar reconciliação e coexistência:

"Mesmo que seja surpreendente, a previsão doutrinária marxista de que o nacionalismo estava desaparecendo não se concretizou. Ao contrário, em uma era de pesquisa nuclear e cibernética, ele por alguma razão floresceu. E está chegando o momento, queiremos ou não, de pagar as notas promissórias da autodeterminação e da independência; façamos isso nós mesmos ao invés de esperar para sermos queimados na fogueira, afogados em um rio ou decapiados. Devemos provar se somos uma grande nação não com a vastidão de nosso território ou pelo número de povos, mas pela grandiosidade de nossos feitos".


A Rússia deveria se satisfazer com "lavrar o que permanecerá depois que as terras que não quiserem mais permanecer conosco se separarem". No caso da Ucrânia, Solzhenitsyn previu que "as coisas serão bastante dolorosas". Era necessário, porém, que os russos "entendessem o grau de tensão" que os ucranianos sentem.


Com sua constumeira compreensão da história, ele lamentava que havia se provado impossível ao longo dos séculos resolver as diferenças entre o povo russo e o ucraniano, tornando necessário para os russos "demonstrar bom senso": "Devemos conceder o poder de decisão a eles: federalistas ou separatistas, não importa quem vença. Não concedê-lo seria insano e cruel. Quanto mais lenientes, pacientes e coerentes sejamos agora, mais esperança haverá de restaurar a unidade no futuro".

A maior dificuldade surgia da própria mistura étnica na Ucrânia onde, em diferentes regiões do país, havia diferentes proporções daqueles que se consideravam ucranianos, daqueles que se consideravam russos e daqueles que não se consideravam uma coisa ou outra. "Talvez será necessário organizar um referendo em cada região e garantir tratamento preferencial e delicado daqueles que queiram sair". Para que isso ocorra, a Ucrânia precisará mostrar o mesmo bom senso em relação às regiões em que russos predominem quanto a Rússia precisava mostrar à Ucrânia como um todo. Isso era especialmente necessário por causa da natureza arbitrária da área designada como pertencendo à Ucrânia: "Não é toda a Ucrânia em suas fronteiras formais soviéticas que é de fato Ucrânia. Algumas regiões tendem claramente em direção a Rússia. Quanto a Crimeia, a decisão de Kruschev de entregá-la à Ucrânia foi totalmente arbitrária". A maneira com que os ucranianos étnicos tratassem os russos étnicos dentro dessas fronteiras majoritariamente arbitrárias "serviria como teste": "enquanto demandam justiça para si mesmos, quão justos os ucranianos serão para com os russos dos Cárpatos?"

Alguns anos depois, em abril de 1981, Solzhenitsyn escreveu uma carta para a conferência de Toronto sobre relações russo-ucranianas na qual ele escreveu que "o problema russo-ucraniano é uma das maiores questões e, certamente, de importância crucial para nossos povos". O problema era, porém, exacerbado pela "paixão incendiária e pelas temperaturas escaldantes resultantes" que eram "perniciosas": "Eu tenho repetidamente afirmado e estou reiterando aqui e agora que ninguém pode ser retido pela força, nenhum dos antagonistas deve recorrer à coerção em relação ao outro lado ou em relação ao próprio lado, ao povo como um todo ou a qualquer minoria que ele abarque, pois cada minoria contém, por sua vez, sua própria minoria".

Seguindo os princípios da subsidiariedade que sempre animou seu pensamento político, Solzhenitsyn insistia nos direitos das localidades determinarem seus próprios destinos, livres da força coercitiva de governos centrais alienígenas e alienadores, fosse este governo Moscou ou Kiev: "Em todos os casos a opinião local deve ser identificada e implementada. Portanto, todas as questões podem ser verdadeiramente resolvidas apenas pela população local..." Enquanto isso, a "dura intolerância" que animava extremistas dos dois lados da linha étnica seria fatal para ambas as nações e só seria benéfica para seus inimigos".

Em 1990, em sua revolucionária obra, Reconstruindo a Rússia, Solzhenitsyn profetizou o perigo inerente na composição étnica da Ucrânia:

"Separar a Ucrânia hoje significa cortar através de milhões de famílias e pessoas: simplesmente considere quão misturada é a população; há regiões inteiras com uma população predominantemente russa; quantas pessoas haverá que consideram difícil escolher a qual das duas nacionalidades eles pertencem; quantas pessoas são de origem mista; quantos casamentos mistos há (aliás, ninguém pensou até agora neles como mistos".


Apesar de Solzhenitsyn temer as consequências de uma Ucrânia independente, ele respeitava o direito do povo ucraniano se separar, um direito que eles exerceram conforme a antiga URSS se desmontou. Reiterando seus princípios subsidiaristas ele insistia sempre que "somente a população local pode decidir o destino de sua localidade, de sua região, enquanto cada minoria étnica recém-formada naquele localidade deve ser tratada com a mesma não-violência".


Hoje, quase seis anos após sua morte, a posição de Solzhenitsyn ainda é a únida solução sã e segura para a crise ucraniana. Aquelas regiões da Ucrânia oriental que quiserem se separar do oeste do país devem poder fazê-lo. Já há duas nações de facto. Faz sentido, então, que essa realidade de facto deva ser honrada com status de jure. Qualquer outra solução sugerida não só é injusta como levará a ainda maiores injustiças sob a forma de guerra, terrorismo e ódio. Nisto, como em muitas outras coisas, a voz do profeta deve ser ouvida. 


Alain de Benoist - Sete Teses sobre o Terceiro Mundo

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por Alain de Benoist



Primeira - O Terceiro Mundo é uma expressão equívoca que deve ser usada com precaução. Designa uma realidade fundamentalmente heterogênea. A definição que se tem dado mais frequentemente dela é de ordem econômica: o Terceiro Mundo estaria formado pelo conjunto dos países pobres, por oposição ao mundo desenvolvido. Mas pode-se também dar uma definição política do Terceiro Mundo. Este reagruparia o conjunto de países potencialmente não-alinhados com as superpotências. Neste sentido, a Europa também formaria parte do Terceiro Mundo.

Segunda - Frente ao Terceiro Mundo (no sentido clássico), a Europa não é culpável de forma particular. Economicamente, a colonização não foi um "bom negócio". Ela tampouco explica o desenvolvimento dos países ocidentais, assim como tampouco explica o subdesenvolvimento dos países do Terceiro Mundo. A responsabilidade da "aculturação" produzida pela colonização não corresponde à Europa, mas a uma ideologia universalista que o Ocidente adotou em um momento específico de sua história e que foi a primeira em sofrer. A colonização é uma página definitivamente liquidada de nossa história. Não há razão para ter, em relação a ela, rancor, culpabilidade ou nostalgia.

Terceira - A aproximação puramente economicista dos problemas do Terceiro Mundo é errônea. Reduz excessivamente o problema: vinculada com a ideologia do "progresso", ela mascara em realidade uma nova forma de colonialismo. Propor aos países do Terceiro Mundo, para compensar seu "atraso", que adotem o modelo ocidental de desenvolvimento, equivale a tomar deles sua identidade, a transformá-los em ocidentais de segunda categoria e, finalmente, a condená-los a um subdesenvolvimento real permanente. A ajuda ao Terceiro Mundo não tem sentido mais que tender a criar in situ condições de desenvolvimento, respeitando as especificidades coletivas e as culturas diferenciadas. O Terceiro Mundo deve ser ajudado a se ajudar, principalmente pela criação de grandes zonas de desenvolvimento "autocentrado". A realização desse objetivo implica o abandono dos esquemas marxistas e liberais dominantes, e a revisão da dogmática do livre-comércio internacional. A produção dos países do Terceiro Mundo deve se orientar prioritariamente, não para exportações destinadas a satisfazer a demanda do "mercado mundial", mas à satisfação da demanda interior.

Quarta - A pobreza dos países do Terceiro Mundo, apresentada atualmente como uma situação de exceção, tem sido até uma época recente o estado normal de todos os países ocidentais. Essa pobreza, apesar de constituir a desdita do Terceiro Mundo, constitui também a oportunidade de não incidir nos mesmos erros que a Europa cometeu, e continua cometendo, sob a influência das ideologias universalistas ocidentais. Os países do Terceiro Mundo tem a sorte de possuir, em geral, sociedades orgânicas ainda vivas. Sem continuar necessariamente com formas tradicionais de existência, devem ser incitados a inventar formas próprias de acesso à modernidade. O Terceiro Mundo deve rechaçar o ideal de desenvolvimento à maneira ocidental e tentar por em marcha modelos originais de crescimento e modernização.

Quinta - A descolonização esta ainda por ser feita. Às formas antigas de domínio se sucederam outras formas novas de colonialismo. A dependência econômica e energética, principalmente, aliena a soberania política dos países do Terceiro Mundo, cujas estruturas sociais se encontram igualmente ameaçadas pela universalização do modo de vida ocidental. A Europa, a este respeito, não está em uma situação muito diferente. Os equilíbrios que a sociedade mercantilista destruiu no Terceiro Mundo, ela começou primeiramente quebrando no próprio seio da cultura europeia, onde se constituiu "sobre" e "mediante" a destruição dos modos de vida orgânicos enraizados. A descolonização, está ainda por se fazer em todas as partes do mundo, tanto no Terceiro Mundo como na Europa.

Sexta - O Terceiro Mundo é atualmente o único lugar onde se pode elaborar, realizar e provar novas formas políticas, quer dizer, formas de terceira via. Thomas Molnar constata com bastante razão: "Não consideramos até agora o Terceiro Mundo pelo que é e será, quer dizer, outro mundo, que não é nem será o Ocidente liberal democrático, nem o Oriente comunista". Unicamente o Terceiro Mundo deu, desde 1945, o exemplo de fórmulas políticas, econômicas e sociais diferentes. Sua debilidade econômica contrasta, nesse sentido, com seu poder político potencial. O Terceiro Mundo deve ser incitado a rechaçar tanto o socialismo marxista quanto o liberalismo ocidental. Frantz Fanon não estava equivocado ao dizer que "o Terceiro Mundo aparece atualmente, frente a Europa, como uma massa colossal cujo projeto deve ser tentar resolver os problemas aos quais a Europa não soube dar solução". O Terceiro Mundo representa uma oportunidade capital de sair do dilema leste-oeste, Oriente-Ocidente, e de preservar assim o futuro da diversidade coletiva humana.

Sétima - Unicamente a Europa tem interesse político no desenvolvimento do Terceiro Mundo. Nas condições geopolíticas presentes, todo país "não-alinhado" do Terceiro Mundo é um aliado potencial da Europa, cuja vocação frente às superpotências não pode ser outra que a de constituir uma "terceira via" e oferecer uma alternativa às ideologias dominantes. O "terceiromundismo" deve receber uma nova definição e um novo impulso. Muito mais que um dever moral ou um imperativo econômico, é para a Europa uma necessidade política vital. A ajuda europeia ao Terceiro Mundo deve ir prioritariamente para os países que rechaçam o alinhamento com os "grandes". Europa e Terceiro Mundo constituem, conjuntamente, potencialmente, uma terceira força. À ajuda econômica da Europa ao Terceiro Mundo deve corresponder uma ajuda política do Terceiro Mundo para a Europa. Os intelectuais de esquerda se voltavam ontem para o Terceiro Mundo para acelerar a decadência da cultura europeia. Nós nos voltamos hoje para ele para que nos ajude a salvá-la.




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Expondo os Crimes contra a Humanidade de Hillary Clinton na América Latina

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por Katehon



A carta latino-americana é um dos trunfos de Clinton na campanha presidencial. Como candidata, ela desfruta do apoio exclusivo de imigrantes latino-americanos vivendo nos EUA. Ela promete suavizar condições para imigrantes e não busca construir um muro na fronteira com o México, diferente das promessas de campanha feitas por Donald Trump. Mas ela realmente merece o apoio hispânico? Para responder a essa questão, é necessário olhar para as ações prévias da sra. Clinton na América Latina.

Pelo menos como Secretária de Estado dos EUA, ela pode ter melhorado relações com a América Latina, mas uma verificação mostra o contrário: Hillary Clinton foi uma firme apoiadora do imperialismo americano mais radical. Golpes bem sucedidos e falhos, esquadrões de extermínio, guerras de traficantes e desestabilização de países inteiros, colaboração com políticos corruptos, e guerra de informação contra o povo latino-americano, são os legados de Clinton na região.

Apoio a esquadrões de extermínio na Colômbia

A família Clinton tem uma longa história de apoio a regimes pró-americanos na Colômbia. Um dos últimos passos da administração Bill Clinton foi dar uma ajuda de 1.3 bilhão de dólares principalmente para as forças armadas colombianas. "A interpretação permitia à administração se esquivar inteiramente de qualquer garantia de condições humanitárias em relação à ajuda", como os jornalistas americanos Alexander Cockburn and Jeffrey St. Clair escreveram sobre o tema. Assim, segundo eles, fundos americanos foram diretamente para as mãos de infames esquadrões de extermínio, engajados em operações contra inimigos políticos de regimes pró-americanos.

Hillary Clinton se posicionou contra o Acordo de Livre Comércio com a Colômbia, quando ela tentou ser indicada pela primeira vez à candidatura presidencial pelo Partido Democrata em 2008, mas pouco depois de ela se tornar Secretária de Estado, ela reverteu sua posição e passou a apoiá-lo. Essa mudança coincidiu com um enorme fluxo financeiro para o fundo da família Clinton vindo de interesses empresariais colombianos e americanos. Para colombianos, a assinatura desse acordo significou a ampliação da exploração dos cidadãos por capitalistas estrangeiros que descobriram o mercado americano. Nos primeiros 10 meses da administração Santos na Colômbia, a qual foi recompensada por Clinton com o Acordo de Livre Comércio, 104 sindicalistas e ativistas de direitos humanos foram assassinados no país. Mais de 50 militantes de sindicatos foram assassinados por esquadrões de extermínio. Algumas fontes locais culparam corporações multinacionais dos EUA e Canadá por usarem gangues contra os trabalhadores (incluindo a Dole, Coca-Cola, Drummond Coal e Chiquita, anteriormente conhecida como United Fruit Company). Tudo isso ocorreu enquanto Hillary Clinton era a Secretária de Estado dos EUA, e a intensificação da repressão política e da exploração foi um resultado deliberado de sua política na Colômbia.

Apoio ao golpe hondurenho

Durante o período de Hillary Clinton em seu cargo ela apoiou o resultado do golpe militar em Honduras em 2009. Nesse levante militar, o presidente legítimo José Manuel Zelaya, que tentou aproximar seu país da Venezuela e para fora da esfera de influência dos EUA, foi derrubado. Tom Shannon, Secretário Assistente para Assuntos do Hemisfério Ocidenal do Departamento de Estado de Clinton esteve em Honduras uma semana antes do golpe, em reunião com grupos militares e civis depois envolvidos nele.

Nem o presidente Obama apoiou oficialmente o golpe hondurenho, mas Clinton o fez. O abuso sistemático de direitos humanos, a violência e a repressão a opositores foi o resultado óbvio do levante militar. Porém, Clinton saudou a eleição ilegítima de Porfirio Lobo, que havia endossado o golpe e recompensou golpistas com ministérios importantes, como um passo na direção da "democracia".

Como o jornal Nation aponta, a transição democrática em Honduras terminou com um resultado bastante previsível.

Há um mês, em 3 de março, a renomada ativista ambiental Berta Cáceres foi assassinada em sua casa por um pistoleiro desconhecido. Duas semanas depois, Nelson Garcia, membro do Conselho Cívico de Organizações Indígenas e Populares de Honduras (CCOIP), cofundado por Cáceres, foi executado por tiros. Desde então, milhares de hondurenhos tem protestado contra o que o programa Democracy Now tem descrito como uma "cultura de repressão e impunidade ligada ao apoio do governo hondurenho a interesses corporativos".

Os assassinatos puseram os programas governamentais americanos em Honduras sob um escrutínio cada vez maior e atraíram críticas por conta do apoio de Clinton ao golpe de 2009 enquanto ela era Secretária de Estado.

Guerras de traficantes no México

Quando Clinton era Secretária de Estado, os EUA ampliaram as vendas de armas ao governo mexicano para combater carteis do tráfico. Na verdade, a guerra contra o tráfico financiada pelos EUA se transformou em uma sangrenta guerra entre traficantes, que levou a uma drástica deterioração da situação no país. O México era um exemplo de como os EUA tentavam resolver seus problemas às custas de seus vizinhos, sem levar em consideração possíveis perdas que poderiam resultar de suas decisões. A venda de armas beneficiou empresas americanas. Clinton e Obama disseram aos americanos que eles estavam liderando uma guerra contra os carteis, mas como resultado a situação no México piorou. As tais guerras do tráfico já mataram mais de 100 mil pessoas desde 2006.

As autoridades mexicanas tem estado envolvidas em violações sistemáticas aos direitos humanos e Clinton sabia disso (como provado pelo WikiLeaks), mas apesar de as leis americanas proibirem vendas de armas para esse tipo de regime, ela aprovou essas vendas de armas e se gabou da cooperação militar.

Desestabilização da Venezuela

Sob Hillary Clinton como Secretária de Estado, os EUA continuaram sua política de sabotagem e guerra de informação contra a Venezuela. Enquanto ela saudava publicamente a melhora de relações entre os dois países, na verdade ela contribuiu para a desestabilização da república sul-americana. Ela insistia em deslegitimar a política do presidente Hugo Chávez. Documentos comprovam que Clinton estava interessada em "como botar um arreio em Chávez" e endossou a amplificação das atividades da BBG - Broadcasting Board of Governors (as estações Marti, Voice of America, Radio Free Europe, Radio Liberty, Radio Free Asia e a Middle East Boradcasting Networks) para combater os "inimigos americanos", entre os quais a Venezuela foi mencionada.

Documentos recentes da WikiLeaks revelam que Debbie Wasserman Schultz, congressista da Flórida e ex-presidente do Comitê Democrático Nacional, que fraudou as primárias democratas em favor de Hillary Clinton, patrocinou sanções contra a Venezuela, apesar da situação econômica difícil no país.

Tentativa de golpe na Bolívia

Clinton conseguiu piorar as relações com a Bolívia, apesar de elas já estarem ruins sob a administração republicana anterior. Em 2009, quando ela se tornou Secretária de Estado, o presidente Morales expulsou o embaixador americano do país por apoiar uma conspiração liderada pela oposição contra ele. Durante essa época, Hillary Clinton acusou Morales de "propagar medo". Mais tarde, em 2010, Chelsea Manning revelou que a conspiração do governo americano para assassinar o presidente boliviano Evo Morales e orquestrar um golpe realmente existiu. Essa informação foi publicada no livro "The WikiLeak Files: The World According to US Empire".

Tentativa de golpe no Equador

Em 2010 um golpe de Estado foi tentado no Equador. Unidades da Polícia Nacional tentaram derrubar o presidente Rafael Correa. Um ano antes as autoridades equatorianas protestaram contra a influência potencial dos EUA sobre indicações dos principais cargos policiais do Equador. A advogada americana Eva Golinger afirmou que a tentativa de golpe foi planejada pelos EUA. Ela revelou que apesar das palavras de apoio, os EUA sob Obama e Clinton continuaram a política de desestabilizar os países da ALBA, liderada pela Venezuela. Seu propósito era destruir qualquer alternativa à hegemonia americana no Hemisfério Ocidental.

Mudança de regime no Paraguai

No Paraguai, o presidente Fernando Lugo foi derrubado por um impeachment em 2012 através do que ele e outros líderes latino-americanos chamaram de um "golpe parlamentar", no qual os EUA reconheceram a mudança ilegítima de presidente por meios extraconstitucionais. O Departamento de Estado de Clinton foi exposto pelo WikiLeaks como estando, no mínimo, informados sobre os preparativos para uma tentativa de golpe. O reformista Lugo sempre foi percebido pelos EUA com suspeitas.

Influências sobre Brasil e Argentina

Ao mesmo tempo que apoiava ou orquestrava diretamente mudanças de regime em países latino-americanos pequenos ou médios, Clinton explorou uma atitude mais delicada em relação a dois gigantes, Brasil e Argentina. Ela tentou engajar o Brasil em projetos comuns e estabelecer relações pessoais com a presidente Dilma Rousseff. Ao mesmo tempo, ela tentou afastar Brasil e Venezuela, afirmando o quanto ela gostaria que a Venezuela "olhasse mais para o seu sul, para o Brasil, para o Chile e outros modelos de países de sucesso". Em relação à presidente argentina Cristina Elisabet Fernández de Kirchner, Clinton defendeu a reaproximação entre os países, confessando em privado, porém, que ela a considerava deficiente mental, e perguntando como ela poderia ser emocionalmente influenciada.

Imperialismo Básico

A política de Hillary Clinton em relação a América Latina sempre foi agressiva e imperialista, e esteve marcada por números sem precedentes de tentativas de golpes e outras atividades subversivas. Não há evidência de que ela esteja disposta a mudar de opinião ou atitude. Ela tratou a região como "quintal" dos EUA, onde a única potência dominante deve ser os EUA. Durante seu período no cargo, Hillary Clinton foi uma das apoiadores mais entusiásticas do Acordo de Associação Transpacífico. A essência do acordo já assinado por três países latino-americanos, Chile, Peru e México, é a criação de uma estrutura megacorporativa supranacional, que subordinaria as nações individuais ao controle de corporações transnacionais. Hoje, ela afirma se opôr a ele, mas sabendo como Hillary tratou suas promessas anteriores, nós podemos assumir como ela tratará um acordo benéfico a grandes empresas. Assim, a escravidão econômica se tornará mais uma característica das atitudes de Clinton perante a América Latina. Presidentes pró-americanos da Argentina e do Brasil, Macri e Temer, já estão prontos para abraçar essa agenda, e após estes gigantes econômicos serem tomados, outras economias não terão escapatória. Donald Trump pode estar falando coisas confusas sobre os mexicanos, mas pelo menos ele sempre se opôs a esses planos e declara abertamente sua oposição ao globalismo e ao TPP.

Paranoia Agent: Cultura Kawaii como Resíduo da Cortina Nuclear

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por Otakismo


"A criança perdida é o magnifico cogumelo no céu", e assim começa a abertura do anime Paranoia Agent.

O falecimento de Satoshi Kon é um prejuízo irremediável para a animação japonesa tendo em vista a força de sua 'marca' como o principal nome da nova safra de diretores que está pegando o bastão da geração de Hayao Miyazaki. O mundo perdeu um trabalhador incansável, original, ácido, antenado e sensível antes mesmo dele alcançar seu ápice criativo. Felizmente a besta do câncer jamais nos tomará a excelência de seu pequeno legado. Muito celebrado por seus filmes na forma de animação, onde trabalha compulsivamente em cada detalhe de roteiro e estética, acaba eclipsando sua única aventura nos animes com formato padrão de episódios, Paranoia Agent. Com recursos e prazos mais apertados, Kon não pôde empregar seu característico esmero na produção dessa série, em compensação, abusou do experimentalismo para contar uma história criativa, atual e confrontadora. Sem dúvidas, minha obra favorita de sua autoria. Só leia se você assistiu ao anime, pois abusarei dos spoilers. Até porque você não vai entender muita coisa sem ter assistido, ao mesmo tempo em que perderá a surpresa caso resolva assistir. Se ainda não assistiu, tome esse post como um convite para o ato, pois o título é imperdível em seus 13 episódios. Depois volte e comente.

O anime começa nos mostrando Sagi Tsukiko, a character design responsável pelo grande sucesso kawaiido Japão, o fofinho e lânguido cachorrinho rosa chamado Maromi. Com seus olhos cansados, Maromi é uma febre que movimenta muito dinheiro na forma de absolutamente todas as espécies de produtos licenciados, tem série animada, CD, pelúcia e tudo mais. Uma versão fictícia dos reais Doraemon, Pikachu, Hello Kitty e todos os outros bichinhos kawaii que sufocam o mercado de massa japonês com seu onipresente aroma de tutti-fruti. Tsukiko, no entanto, é intimada por sua empresa para dar sequência no sucesso de Maromi através da criação de um novo personagem.

O problema é conseguir criar algo que supere ou ao menos iguale um fenômeno. Se você quer ter noção do que é isso, tente se colocar no papel dos Beatles compondo o disco imediatamente após o Sgt. Peppers, quando o mundo esperava uma nova mágica dos garotos de Liverpool para balançar as estruturas dos anos 60. Mágica é a força que Tsukiko precisava para conseguir dar conta de sua missão, cada vez mais pressionada por demandas insustentáveis e hostilidade das companheiras de trabalho, invejosas do dinheiro e prestígio conquistados por ela com Maromi. Quando estava prestes a jogar a toalha, Tsukiko é agredida com um bastão de beisebol por um garoto ginasial em patins dourados. Hospitalizada, Tsukiko vê seus prazos serem flexibilizados e um sabor de alívio paira em sua boca.

Kawaii, kawaii, kawaii...
O agressor passa a atacar pessoas Japão afora com seu taco e o anime ganha rumos detetivescos com as investigações dos agentes Ikari e Maniwa da polícia japonesa. A primeira metade do anime mostra diversas histórias paralelas, personagens distintos que se entrelaçam numa rede social complexa, todo conectados pela mesma liga: o agressor do taco de beisebol, o Shonen Bat. Todos foram atacados impiedosamente pelo delinquente juvenil enquanto a polícia buscava evidências para capturar o pequeno marginal.

Maniwa, ao perceber a incapacidade de capturar o sujeito por vias policiais clássicas, atenta para um fato importante. As vítimas foram todas atacadas em momento de desespero, em situações onde não viam mais saída para seus problemas. Possuídos pela paranoia, eram atacados e encontravam conforto na cama do hospital, que não cobrava nada deles. Todos ficavam aliviados. Tsukiko teve seus prazos flexibilizados, Icchi não poderia mais ser acusado de algo que ele próprio foi vítima, o guarda pedófilo se viu livre das extorsões que o obrigava a cometer crimes, a professora-prostituta acalantou momentaneamente seu transtorno dissociativo de identidade. 

Todos pareciam apreciar os resultados da agressão e as reflexões de Maniwa ganham novo sentido quando, ao entrevistar uma moradora de rua, descobre que Tsukiko não foi atacada porcaria nenhuma, ela forjou sua agressão batendo na própria cabeça com um cano metálico. A questão inicialmente levantada por Ikari começa a rondar a cabeça de Maniwa... Existe mesmo um criminoso?

Maromi e a sombra de Shonen Bat...eles são iguais? Maromi é um personagem de cura ou apenas um preguiçoso?
Sim, existe um criminoso, mas ele não calça patins nem sai por aí sentando o cacete na cabeça das pessoas que precisam de uma válvula de escape para seus problemas particulares (afinal, como alguém saberia quem está pressionado?). O criminoso existe, mas é intangível. O Agente da Paranoia não é uma pessoa física, é a semente de Baobá plantada em todos nós que pode ser mais ou menos regada pela imaginação, pelos rumores, pelos indeléveis temores humanos. Shonen Bat é uma metáfora brilhante de Kon para nossos tempos modernos, onde pedimos que um milagre ou um deus ex machina interfira em nossa vida para nos redimir da responsabilidade e da culpa. Essa construção simbólica ainda é universal, diz respeito à vida em qualquer metrópole do planeta. Kon é japonês e, preocupado com a realidade do seu país - de virtualização da vida - fez de Maromi outra peça de brilhantismo.

O cachorrinho kawaii não é um personagem citado por acaso apenas para mostrar o desespero da designer, mas sim a força motriz do anime ao lado do Shonen Bat. Maromi significa fuga, escapismo, justificativas. O "círculo de paz" criado por Maromi no Japão fictício de Paranoia Agent (segundo as palavras da Tsukiko) na verdade é um embrulho bonito para alienação. A presença de Maromi por todos os cantos, em todas as idades (como de fato existe no Japão real com personagens reais) através dos produtos licenciados é uma representação genial para a percepção de um Japão que ainda vive imerso em culpas, sem aceitar o peso de seus atos e responsabilidades.

Don't feed the trolls, eles se alimentam de imaginação
A posse dos artefatos da Maromi por parte dos personagens, segundo minha leitura, é evidência artística de fuga da realidade, virtualização da vida. Quando você reassiste sabendo o que cada coisa significa, o diferencial de Satoshi Kon estoura na tela, pois ele trabalha isso de modo muito eficiente. Quando um personagem está com um chaveiro ou pelúcia do Maromi, entendemos muito bem sua função alienatória, jogando alguma sujeira ou temor para baixo do tapete.

Kon foi muito crítico com a sociedade japonesa e com a subcultura otaku. Ben Hamamoto do Nichi Bei Times publicou um artigo em 2006 em duas partes chamado Entertainment Re-oriented: Atomic Pop. A primeira parte se chama It created a Monster, mas eu não achei na internet (se alguém souber onde tem, ou tiver, por favor me avise). Já a segunda atende pelo nome Hello Kitty and the Rape of Nanking. Pesado, não? Hamamoto joga no time dos que defendem as bombas atômicas como os pais da cultura kawaii japonesa, parida com o intuito de mascarar as atrocidades cometidas pelo Império Japonês na Segunda Guerra Mundial.

Maromi é tudo o que precisam para a ilusão do relaxamento
"Renderizar um país através de uma figura bidimensional fofinha também proporciona uma forma de mascarar o cadáver ensanguentado do cachorro que é o Japão Imperialista. Experiências com humanos (incluindo vivissecções sem anestesias), rapto de mulheres para servirem de escravas sexuais, e o infame Massacre de Nanquim; todas essas coisas escondidas debaixo do olhar tolo da Hello Kitty. O Japão foi também um participante extra-oficial na Guerra do Vietnã, Guerra da Coréia e nas Guerras do Iraque. Ainda sim o Japão é visto como inocente e pacífico." - Ben Hamamoto.

Até hoje o Japão enfrenta problemas diplomáticos com os países asiáticos, sobretudo com China e Coreias, por não assumir alguns crimes de guerra extensamente documentados nem tratar o assunto como deveria nas escolas públicas. O país tem uma dificuldade enorme de virar a página, assumindo culpas. O agressivo Japão foi silenciado pelo cogumelo nuclear e pela ocupação americana, enterrando nesse silêncio suas responsabilidades.

Suposto registro do Massacre de Nanquim. Existe uma onda revisionista forte que afirma a falsidade das provas (não do massacre em si, mas das provas pictóricas apresentadas pelo governo chinês bem como o número de mortos em tão pouco tempo)
Essa dificuldade de enfrentar a realidade que é estampada pelo alienador Maromi. O cão ajudava os personagens a fugir da realidade e buscar refúgio mental em um lugar onde simplesmente não precisasse enfrentar os problemas. Na linguagem freudiana, Maromi incentiva o recalque pura e simplesmente, não a solução dos problemas. Não sofra nem por um instante, fuja do perigo, tenha uma vida completamente ausente de tormentas. Não é esse o mentiroso e venenoso discurso publicitário-corporativo que afirma todos como capazes de viver uma vida plena de constante felicidade, contanto que se esforcem o bastante para ter o dinheiro que a sustente? (como se equilíbrio na estrutura psíquica se construísse consumindo pílulas ou cultura de massa). E o personagem Maromi (Hello Kitty, Pikachu) está a serviço de quem mesmo?

Numa construção brilhante, o detetive Ikari se refugia, com a ajuda do chaveiro Maromi, no relicário de sua infância, o Japão dos anos 60 ou 70, onde as fábricas abundavam, os homens usavam chapéu, os vendedores eram corteses, as mulheres cozinhavam na rua e as crianças nela urinavam. Notamos, no entanto, que esse Japão que só existia nas boas lembranças dele, apesar de colorido é bidimensional. É fake, claramente falso, intangível, inverossímil, um simulacro (parece feito de madeira). Ao perceber que ele estava fugindo da dura realidade (doença da esposa e perda do emprego de prestígio) rumo ao nostálgico baú das lembranças de tempos melhores, ele rebate o chaveiro de Maromi como uma bola de beisebol. Essa realidade bonita, porém falsa, se estilhaça como um espelho com o golpe do chaveiro (golpe da verdade, na verdade).

O mundo real emerge escuro e frio, porém tridimensional e verossímil. Não importa quão dura seja a realidade, o ser humano é forte o bastante para encará-la, pois é somente no agora que existe a existência e a deliberação sobre a existência! Ela às vezes é dura, mas quem disse que não deve ser? Uma vida ausente de dores também é ausente de referências e padece por falta de estrutura. Nunca deve ter existido uma juventude tão fraca psiquicamente como a atual. A mesma que desconhece o sentido da palavra privação e acredita no significado do termo fome como aquilo que sente momentos antes do jantar. O personagem Chiaki Asami do mangá Sanctuary lamenta: "Esse Japão é próspero demais..."

"O que estou tentando promover não é o bem-estar e a prosperidade de agora. É o Japão... O futuro do povo japonês!! Não existe futuro para um povo, ou melhor, para uma nação mimada como a nossa..." - Chiaki Asami (Sanctuary vol. 3)

Uma dúvida constante entre quem assiste Paranoia Agent é: Pô, mas o caso de Sagi Tsukiko sozinho foi o suficiente para envolver tanta gente e destruir a cidade? Não. Novamente recorro ao clássico Evangelion para elucidar esse ponto. Em Eva, nos dois episódios finais nós focamos no processo de instrumentabilidade humana de apenas uma das pessoas que se submeteram a ele, Shinji Ikari. Apenas no caso de Shinji vemos o processo do começo ao fim, mas isso não significa que ele foi o único, apenas nos foi mostrado um caso com exatidão para que pudéssemos conhecer o projeto e imaginar o que foi feito com todos os demais.

O mesmo para Paranoia Agent, aqui de forma bem mais clara. Focamos no caso de Tsukiko mas ela não é única. No nono episódio, onde vemos aquele monte de casos (do vestibulando suicida, do pugilista que se rende aos alimentos, do médico que errou a inseminação e outros), Satoshi Kon finaliza o episódio subindo a câmera e no formatos dos prédios se lê "ETC". Um claro recado, o Shonen Bat está solto por ai, desde tempos longínquos, afetando de prostitutas a estudantes. Como se dissesse: Te apresentei alguns casos, mas você sabe que os exemplos são infinitos. Etc, etc, etc...

- Maromi: "Você só está cansado. Tire uma folga"
O final da série (espero que você tenha assistido o encerramento do 13º episódio, pois tem conteúdo depois dele) mostra a história cíclica. Resolvido o caso Tsukiko, temos um gatinho kawaii fazendo o papel de Maromi, pessoas praguejando em seus celulares dentro do trem (virtualização da vida), uma nova garota com problemas e Maniwa, agora experiente, nos advertindo que a paranoia sempre existirá e cada caso terá seu momento de solução, contanto que encarada de frente. Maniwa faz, nesse momento, o que o ancião fez durante todo o anime, dando o caminho das pedras os quais parecem grego para o jovens, mostrando que temperança e sobriedade são resultados de tempo e experiência. Enfrentar seus demônios internos sozinho e sem preparo pode ser suicídio (situação simbolizada pelo primeiro confronto entre Maniwa e Shonen Bat, onde ele saiu muito ferido). O que ele fez? Foi atrás do velho, pois a ajuda de alguém mais experiente é sempre bem vinda. Shonen Bat só sumiu para Tsukiko quando ela assumiu e aceitou o doloroso passado e a culpa por ser responsável pelo atropelamento do cachorrinho Maromi quando ainda era uma criança.

Problema é que sumiu para ela, não para o mundo...o ciclo se repete infinitamente para os próximos humanos que se sucedem. Mas como nós vamos ajudar nossos pares nesse processo se a comunicação interpessoal está cada vez mais escassa e virtualizada? Como apostar na humanidade nessa nação envenenada pela cultura de massa e pelo discurso publicitário de ausência de dor e oferta de felicidade? São questões que Satoshi Kon levanta, ou ao menos eu levanto ao ter contato com a obra dele.

Fecharei o texto falando do experimentalismo que Satoshi Kon trouxe para os episódios. Ele encontrou diversos modos criativos para contar história de cada personagem. Alguns falam que foram muitas ideias boas subaproveitadas. Talvez se algumas delas fossem melhor tratadas em algum filme seria melhor, mas já que a natureza nos separou do mestre cedo demais, Paranoia Agent fica como uma amostra menos engessada da criatividade e bom senso estético do criador. Ele usou a animação para contar uma história legal, inteligente, sem perder o espírito do anime, sem fazer da animação o mero canal para fazer um filme comum mais barato, mas sim aproveitando todas as suas vantagens sem negar suas características. 

Ele usa a metalinguagem de um mangá seinen para ilustrar a solidão e o desencantamento do policial pedófilo (e/ou talvez para mostrar como a cultura de massa influencia as pessoas, já que o cara fica usando frases de efeito dos mangás para roubar as pessoas, claro que com a adaptação "Me chame de papai!!"). Quando a polícia prende o Shonen Bat falso, as pistas são indicadas pela linguagem dos RPG's virtuais num episódio muito divertido (novamente a cultura industrial usada para perverter as fronteiras entre real e virtual). Em um dos episódios ele mostra o stress dos membros da equipe de produção do anime feito em cima do personagem Maromi, explicando a função e as dificuldades de cada cargo do time, numa deliciosa viagem pelo processo de criação de animação (como Bakuman mostra, de modo muito mais lúdico, o processo do mangá). É criativo, é divertido, é embasado e é ácido ao mesmo tempo!

O problema do suicídio... (no entanto, Maromi os acompanha).
Destaco outro episódio genial. O de três pessoas (um velho, um homossexual adulto e uma menina) que combinam pela internet um suicídio coletivo, discutindo métodos e motivos. O episódio não é dirigido de forma trágica, pelo contrário, ele é muito cômico, pois todas as tentativas de suicídio aparentemente não dão certo. Eles lamentam o fato do Shonen Bat não buscá-los já que estão loucos para morrer, uma vez que ele está atacando geral os japoneses. Hamamoto diz no artigo já citado que "você não pode morrer se já está morto", no sentido morto apesar de vivo, alguém que não aproveita a vida, daí os fracassos nas tentativas de suicídio. Eu enxergo uma visão mais tóxica do Satoshi. Os três não estão desesperados coisa alguma, são só pessoas entediadas pagando de niilistas e gritando aos sete mares as 'dores de viver', são só pessoas mimadas. Desesperados estão os outros que foram perseguidos pelo Shonen Bat, alguns lutando, alguns fugindo. Esses três estão apenas cansados de não fazer nada, de ficar na internet debatendo métodos indolores de morrer. E o Japão está cheio dessas pessoas... O mais cômico é que eles começam a pegar gosto pela vida quando finalmente morrem (e não percebem). Vão viajar, pegam o trem, se divertem na hospedaria...gozam da vida buscando a morte.

Uma verdadeira pérola da animação japonesa, obrigatória para todos que acham o anime a expressão maior da apologia do vazio. Assista no mínimo 2x. Finalizo com a conclusão da coluna do Hamamoto:

"Um enigma. O que transformou o povo japonês em vítimas irrepreensíveis, limpou sua memória histórica e o deixou vazio, cordial e passivo? No anime Paranoia Agent foi o Shonen Bat. Na realidade foi a bomba atômica." - Ben Hamamoto)

Ao mestre, obrigado. Satoshi Kon

Aleksandr Bovdunov - O Grande Manipulador: Magia e Sociedade Moderna

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A vida e morte de Ion Culiano



No dia 21 de Maio de 1991, na Universidade de Chicago, um professor de religião comparada apresenta sua palestra final acerca do gnosticismo. Ele era um especialista do mais alto nível ao lidar com esse tema; um dos principais eruditos em gnosticismo, platonismo e neoplatonismo, hermetismo e na história religiosa secreta e pública do Ocidente. Depois de trocar algumas palavras com um estudante acerca de sua tese, o cientista partiu. Foi a última vez que os discípulos o viram com vida. Algumas horas depois o corpo do professor foi encontrado no banheiro masculino do campus da Universidade. Ele havia sido assassinado com um tiro na cabeça em plena luz do dia em uma das maiores universidades dos Estados Unidos. Até hoje o assassino não foi encontrado. O cientista, cujo corpo jazia esparramado de forma repulsiva na latrina, era Ion Culianu. 

Ele era o pupilo mais famoso e compatriota de Mircea Eliade, quem, depois de ter sido confiado como o seu executor literário, merece uma atenção especial. Tendo emigrado da Romênia nos anos 70, ele finalmente decidiu estabelecer-se na Universidade de Chicago, onde trabalhou com o grande Eliade. Culianu dedicou muita atenção à tradição ocidental. Seguindo essa direção, é provável que ele tenha tentado acompanhar o seu professor, trabalhando principalmente com a Ásia e os povos “primitivos”. Eram temas de prioridade para Culianu os experimentos de êxtase e exílio em outros mundos, gnosticismo, dualismo religioso, a dimensão espiritual do problema do poder, algumas filosofias religiosas ocidentais, o lado oculto e obscuro da tradição ocidental, e a gênese do fenômeno social e filosófico que mais tarde recebeu o nome de Modernidade.

Culianu era bem recebido em várias organizações ocultistas do ocidente, como está escrito em “Eros, Magia e o Assassinato do Professor Culianu”, pelo pesquisador de seu trabalho, Ted Anthony.  Ele conduzia, juntamente com estudantes, várias sessões mágicas, aconselhando-os a rejeitar as descrenças em relação aos fenômenos de magia e religião estudados. Ele sinceramente acreditava na sabedoria dos antigos, e buscava utilizar o aparato científico para penetrar no coração do fenômeno religioso e da consciência religiosa. No entanto, aproximar-se ao umbral dos mistérios sempre foi algo perigoso.  

O público liberal apressou-se em colocar a culpa da morte do cientista na extrema direita romena e no serviço de segurança romeno, A Securitate (já inexistente há dois anos), a quem Culianu tratava de maneira bastante descortês. Gradualmente, essa versão mais do que duvidosa e repleta de motivações se tornou a narrativa principal. De fato, no que tange às criticas por serem comunistas e terem sido substituídos no regime de Iliescu, Culianu não se destaca em meio a outros dissidentes romenos. O mesmo pode ser dito acerca de sua postura rigorosamente oposta à “Guarda de Ferro” e em relação às preferências nacionalistas de seu professor, Mircea Eliade. Porque era necessário assassiná-lo? E por acaso os serviços secretos dos países da Europa Ocidental, organizações realmente perigosas, foram assoladas pela pobreza, corrupção, caos e conflitos internos? Poderia ter sido obra de uma organização (Guarda de Ferro) que em 1991 contava apenas com um grupo de idosos morando pacificamente na Espanha e Argentina? 

Culianu pode ter sido morto por motivos políticos, mas de uma política muito diferente. Para entender a quem nós temos interesse relacionar a morte de Culianu precisamos recordar outro evento, essa vez associado com seu professor. Foi no momento em que Mircea Eliade escrevia a sua densa obra “A história das ideias religiosas”, descrevendo o aparecimento do desenvolvimento religioso e da modernidade na Civilização Ocidental do século XVI até os dias atuais. Em 1984, na sua casa em Chicago houve um incêndio que destruiu uma grande parte de fontes e documentos raros desse período. Sem nunca ter se recuperado da perda, Eliade morreu dois anos depois, sem a possibilidade de acabar a última tarefa de sua vida. Depois de cinco anos, a vida de Culianu foi abreviada, quando o estudante estava engajado exatamente nesses problemas. 

Culianu dedicou a sua vida à história secreta das religiões do Ocidente. Não há duvidas de que ele sabia muito, e ao que parece ele sabia demais. Portanto, aqueles que não concordam com a versão liberal dos eventos do assassinato de Culianu buscam recorrer ao seu legado científico. É improvável que venhamos a descobrir logo qual é a resposta mais provável. O cientista simplesmente não é autorizado a dizer isso, mas nós podemos perceber a região perigosa da qual o pesquisador se aproximou. Um exemplo disso é um estudo do seguinte tema:

O Grande Manipulador: Poder e Magia

“De vinculis in genere”

Culianu, em seu livro “Eros e Magia na Renascença”, referindo-se ao trabalho de Giordano Bruno, o famoso cientista e mágico do século XV, revela um dos segredos da formação do tipo de sociedade que o fundador da Internacional Situacionista, um dos ideólogos da primavera de 1968, o inconformista de esquerda Guy Debord, chamou de a “sociedade do espetáculo”. Esse é o conceito do “Grande Manipulador”.

O historiador das religiões examina o livro “De vinculis in genere”. Culianu aponta que o valor desse livro obscuro supera muitos trabalhos de teoria social e política bem conhecidos. De acordo com seu cinismo e candura, só pode ser comparado com “O Príncipe” de Maquiavel. Porém, se a figura do “príncipe”, um aventureiro político, soberano, como nota Culianu, no mundo moderno esta à beira da extinção, a figura do mágico colocada no centro da concepção de Bruno é o protótipo dos meios impessoais de comunicação de massa enquanto sistemas e mecanismos de lavagem cerebral, que levam à frente o controle obscuro (oculto) sobre as massas no mundo ocidental. 

O nome do livro de Bruno “De vinculis in genere” é traduzido como “sobre os vínculos em geral”, e se refere à manipulação mágica de indivíduos e das massas, para o estabelecimento do controle a distância de pessoas, independente de estruturas hierárquicas de coerção ou punição advindas de poderes diretos.

O conceito de vínculos “vinculis” não é escolhido por Bruno ao acaso. Culianu destaca que Giordano Bruno é em muitos pontos o sucessor de outro neoplatonista da renascença, Marsílio Ficino, e chega a uma conclusão lógica, porém inesperada, da analogia de Eros e Magia realizada pelo fundador da academia platônica de Florença. Para Ficino, assim como para Bruno, toda magia é baseada no Eros, inclusive o que pode ser chamado de a magia social ou política. E ainda, entre magia e atração erótica há uma similaridade instrumental; o mágico, como um amante, percebe o autor, constrói uma rede ou armadilha em torno do objeto de seu interesse. A arte do amor ou sedução é estruturalmente similar à tarefa do mágico. Ficino usa frequentemente o termo “rete” com respeito à magia e à atividade sexual – rede, da mesma forma que palavras como illex, illecebra, esca, significam armadilha, cilada, ardil. 

A tarefa do mágico é construir uma rede, conectar, para realizar os seus efeitos indiretos. Bruno propõem um modelo que consiste em indivíduos e massas manipulados, e o mágico ou o Grande Manipulador usa ativamente redes, armadilhas e outras ferramentas de “ligação”. O pré-requisito mais importante para a existência de tal sistema é o conhecimento dos desejos humanos. Bruno percebe que a operação de tal plano requer sutileza, já que a tarefa do manipulador não é entorpecer diretamente ou fazer propaganda, mas criar a ilusão da satisfação das necessidades e desejos humanos. Por esta razão, ele precisa saber e antecipar as necessidades, desejos, e expectativas da sociedade. Caso contrário, nenhuma “ligação” pode ser estabelecida entre o indivíduo e o manipulador.  

Petru Culianu afirma que o sistema de magia erótica de Bruno tem como objetivo disponibilizar as ferramentas para o controle de indivíduos isolados e das massas. “O seu pressuposto fundamental é que existe uma grande ferramenta para a manipulação - Eros no sentido amplo do termo: aquilo que amamos.” Giordano Bruno resume todas as paixões humanas, todos os sentimentos, tanto os inferiores quanto os sublimes, ao amor, porque vaidade é o amor pela honra, ganância é o amor pela riqueza, inveja é o amor pelo ego, que não tolera a igualdade e até a superioridade de outro. Ódio, que Bruno particularmente descreve como uma ferramenta de monitoramento, também é amor, mas com um sinal negativo. A manipulação mais bem sucedida, afirma Bruno, é exequível se for capaz de inflamar o amor próprio manipulado, philautia, o egoísmo. No estudo nós encontramos a descrição de amor como “é o relacionamento mais exaltado, o mais comum e o mais importante”. Nas fórmulas mágicas utilizadas no livro de Bruno, o amor é chamado de “o grande daemon” (Daemon Magnus).

Os efeitos mágicos em operação na sociedade, utilizando as paixões humanas, resultando em amor, são realizados através de contato indireto (virtualem seu potentialem), especificamente através de imagens visuais e sons (ferramentas universais ocultas), para estabelecer controle sobre o visível e o audível. Através desses portões secundários, o manipulador pode chegar ao se objetivo primário, chamado porta et praecipuus aditus, o “portão principal”, e vinculum vinculorum, o “vínculo de vínculos” - uma fantasia. É preciso ter em mente que a imaginação da Idade Média era entendida de acordo com os ensinamentos de Aristóteles. A imaginação era pensada como um dispositivo que desempenha a função de um mediador entre o corpo e a alma, os sentidos e o intelecto. Sob o nome de fantasia ou sentido interno, ela transforma o testemunho dos cinco sentidos nos fantasmas, em imagens que só podem ser entendidas pela alma. O dispositivo da imaginação é um intérprete traduzindo a linguagem dos sentidos para a linguagem dos fantasmas e vice-versa. 

As fantasias e a imaginação possuem a vantagem de pertencerem ao mundo dos fenômenos e sentimentos visíveis da mesma forma que a alma possui vantagem sobre o corpo. Curiosamente, Gilbert Durand, o sociólogo francês do século 20, chegou à mesma conclusão. Ele elaborou uma teoria sociológica substancial, na qual afirma que tipos e modos específicos da imaginação, as suas estruturas simbólicas e arquétipos, pré-definem todos os elementos importantes da esfera social.

Partindo do entendimento de que há uma conexão entre o pneuma universal, a matéria particular que forma o aparato imaginativo, e o uso local do poder de Eros, que é uma força conectando essa substância, é possível controlar a consciência individual através de uma reação particular frente a imagens e fantasmas até o ponto em que na maioria dos casos, não é o homem que governa sua imaginação, mas sua imaginação que o governa.

A conclusão do tratado de Giordano Bruno é de que tudo é manipulável, e que o amor, como a força que permeia o mundo, é a única ferramenta de manipulação mágica possível, enquanto a imaginação, e em realidade o controle sobre a imaginação através de imagens audiovisuais, é uma forma de poder. O manipulador cria redes de conexões baseadas no efeito entre ele e outras pessoas, e desse modo faz com que elas ajam de acordo com sua vontade. Assim, ele é como uma aranha no centro de uma rede de conexões e interações. É particularmente importante que, de acordo com Bruno, o manipulador deve ser absolutamente indiferente a qualquer influência externa, e, portanto a qualquer forma de amor, incluindo amor pela bondade, verdade e até pelo mal. 

O Grande Manipulador e a Modernidade

O esquema platônico tradicional e clássico de organização do estado e da sociedade, característico dos estados antigos e medievais, assemelha-se a uma pirâmide. O poder é organizado de acordo com os méritos do ponto extremo da hierarquia, de cima para baixo, e é realizado em um estilo “comandar-obedecer”. Foi contra essa ditadura autoritária de ideias que a Modernidade se rebelou em nome dos ideais da liberdade, igualdade, e fraternidade. 

Construído ao redor do Grande Manipulador, o mundo social é diferente uma vez que é organizado de acordo com o princípio das redes de conexões cercando o mágico anônimo que exerce não um controle direto, mas indireto, e o faz subordinando a imaginação. Ele não sustenta uma simples propaganda, mas em realidade ao criar a ilusão de encontrar os sentimentos e expectativas humanas, exerce um controle hábil sobre os subordinados ao dominar a zona da fantasia. Para que o Grande Manipulador exerça o seu poder, é crucial que as pessoas permaneçam suscetíveis às suas paixões e que a sociedade seja constituída por pessoas não envolvidas em uma causa comum, mas dissolvidas em grupos e panelinhas centrados em si mesmos, de maneira desordenada e egoísta. Ao invés de hierarquia, não há nada além de uma rede; ao invés de submissão direta, há controle; e ao invés de uma causa comum, há egoísmo e ausência da busca pelo divino, substituída por sensualidade nua ou indiferença. 

Será o mundo moderno realmente secular? Se compararmos o conceito de Culianu do estado organizado pelo mágico com o modelo do Grande Manipulador de Bruno e a sociedade em nossa volta, nós podemos ver semelhanças gritantes. O poder é exercido através do controle da imaginação, e a sociedade é meramente uma rede. Não é um acidente que na atualidade o conceito da sociedade conectada tenha surgido e se tornado quase de uso comum não apenas na comunidade científica específica, mas ainda, surpreendentemente, que a sociologia moderna utilize a mesma linguagem do tratado mágico de Bruno.  

No mundo moderno, o controle sobre a imaginação é exercido através da mídia audiovisual, televisão, cinema, internet e jogos de computadores de realidade virtual, propagandas sedutoras e onipresentes, e o emprego de milhões de imagens. A sociedade moderna é uma sociedade na qual o culto do egoísmo e da gratificação sensual reinam. E, é claro, a energia sexual é estimulada, sublimada e manipulada dessa maneira na sociedade que é permeada por sensualidade e sexualidade, uma sociedade que grita sobre si mesma e estabelece o egoísmo como norma social. Essa é uma sociedade de frenesi inexplicável, o triunfo da corrupção do espírito e da carne – a completa mudança de foco para o mero lado carnal da vida que é racionalizado e logicamente explicado na conceituação de Giordano Bruno. 

Portanto, por boas razões a sociedade moderna pode ser chamada de sociedade mágica, ou a sociedade do Grande Manipulador, se nós conectarmos a posição e as conclusões de Giordano Bruno, os dados da sociologia moderna, e uma simples observação da realidade social à nossa volta. Isso é uma coincidência? Talvez haja uma ligação direta entre a situação atual e o trabalho de Giordano Bruno. Talvez o trabalho de Bruno seja um sintoma claro da trajetória geral que percorre o espírito ocidental. Permanece o fato de que essa figura, como filósofo e mágico, tem tradicionalmente atraído a atenção de todas as organizações ocultistas do Ocidente, que, por sua vez, reivindicando o mais alto conhecimento, também reivindicam poder. 

Onésimo Redondo - O Nacionalismo Não Deve Ser Confessional

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por Onésimo Redondo



Dizer que um movimento político é "confessional" significa que este se determina, de modo direto e específico, a hastear a religião como um de seus lemas, a sua defesa como um dos fins característicos do partido.

Neste sentido é que afirmamos que o nacionalismo, concretamente o nacionalismo espanhol, não deve ser confessional. Essa afirmação, se não conflita, de forma alguma, com a doutrina e as normas gerais ou concretas da Igreja, conflita de fato com o parecer de um sem número de católicos aos quais podemos chamar "militantes" ou católicos entusiastas.

Pelo que segue, o nacionalismo espanhol deve ou pode ser anticatólico? A Espanha nacional, a verdadeira, a da história gloriosa, pode ser separada da religião católica?

Já os que assim perguntam pretendem colocar o pensamento nacionalista em uma estreita disjuntiva: se respondemos de forma desfavorável à intenção das perguntas, nos replicarão: "Pois isto não é nacionalismo espanhol!". E se respondemos, como sem dúvida é mais preciso, em conformidade com o sentido das perguntas, arguirá seguidamente o católico receoso: logo, o nacionalismo espanhol deve ser nacionalismo católico, ou seja, confessional.

E eis o erro. Porque podemos reconhecer que a grandeza da Espanha está entrelaçada a sua catolicidade, aceitar que o nacionalismo não pode ser anticatólico, e sustentar, ainda assim, como é nossa tese: "O NACIONALISMO ESPANHOL NÃO DEVE SER CONFESSIONAL, não deve ser nacionalismo católico".

RAZÕES? São inúmeras: impossíveis de situar completamente em um artigo e ademais de tão grande importância e conveniência, a mesma coisa desde o ponto de vista religioso e desde o ponto de vista nacional, que só se explica a discrepância de muitos temperamentos de direita por uma dessas formações impulsivas e rotineiras tão acreditadas e estendidas nos modos políticos do catolicismo espanhol militante.

1 - O nacionalismo, por princípio, e sob pena de extinção, é um movimento nacional totalitário, isto é, encaminhado a dominar na nação por inteiro.

2 - O nacionalismo há de ser, em essência, desde o primeiro instante, popular: com maiores aptidões de popularidade que qualquer partido político.

3 - O povo espanhol, em sua generalidade, compreendendo todas as regiões de nosso território, não possui catolicismo militante. Isso não quer dizer que a maioria da Espanha seja anticatólica.

4 - O nacionalismo disputará ampla e rapidamente a hegemonia das massas operárias com as organizações marxistas: e os operários, em sua maior parte, não são confessionais, não são católicos militantes.

5 - O nacionalismo é um movimento de luta; deve chegar inclusive às atuações guerreiras, de violência, em serviço da Espanha contra os traidores internos. Não é possível, nem conveniente, exercer essas violências políticas com a religião como bandeira.

6 - Como movimento essencial espiritualista, quer dizer, inspirado e baseado em virtudes cívicas, o culto à Pátria, a veneração da própria História, o respeito à hierarquia, a abengação em benefício do povo, a defesa da família cristã, o nacionalismo respeita eficazmente a Religião Católica.

7 - Dizer que não é confessional não significa que o nacionalismo seja neutro. É, precisamente, inimigo declarado das forças que se chamam neutras: liberalismo, maçonaria.

Como há matéria para mais de um artigo, não pretendemos ter esgotado as razões ou proposições que fortalecem nossa tese; deixamos para números sucessivos o desenvolvimento dessas razões. Há muitos jovens que sonham com o fervor nacionalista, que desejam ver feito carne um grande movimento de independência com esse nome, e que formados no seio do catolicismo prático e entusiasta, se encontram preocupados pela tenaz oposição ao nacionalismo, tal como aqui o entendemos e deve entender-se, que é desprovido de uma especial proteção de fé católica.

A muitos deles aconselhamos ler ou reler a conhecida pastoral coletiva dos bispos espanhois, na qual podem aprender tranquilidade e tolerância.

Que recordem concretamente as palavras de Jesus, lembradas nessa carta: "Aquele que não está contra vós, está por vós", e que não afirmem com intransigência mesquinha que está retirado de Cristo o homem ou o partido que não esteja com Ele, mas que tampouco esteja contra os princípios imutáveis de justiça, de honestidade e fraternidade cristãs, regidos pela Igreja.

Jay Dyer - Dialética Gerenciada e o Imperium Liberal

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por Jay Dyer



A "guerra racial" engendrada e publicizada que o sistema atual dos EUA deseja é uma estratégia de tensão de longo prazo com inúmeros precedentes históricos. Dizer que essa tensão é exacerbada e atiçada pela elite liberal hegemônica não é dizer que a diferença não é real. Ao contrário, culturas e civilizações produzem diferentes sociedades como resultado natural da alma daquele povo, e isso é bom. Na verdade, a "diversidade"é um bem natural, assim como a existência digna de diferentes ethnoi, uma noção ortodoxa clássica. Em nossa época, porém, com a ascensão do individualismo atomista pós-iluminista, "diversidade" se tornou um dogma fundamental do duplipensar no qual o objetivo subversivo da "diversidade"é a obliteração das distinções e diferenças reais.

É por meio dessa contradição crucial e duplipensar orwelliano que duas noções completamente opostas são sustentadas simultaneamente nas mentes do mundo ocidental liberal. Por um lado, os EUA e o Ocidente liberal pretendem representar a "democracia", a "liberdade" e o igualitarismo, ao mesmo tempo que travam guerras de agressão estrangeira para o estabelecimento da "Pax Americana", enquanto extorquem os recursos naturais e invertem e destroem as heranças culturais de nações culpadas do crime abominável de serem diferentes do imperium liberal dos EUA. Nesse sentido, diversidade enquanto ideologia é uma dialética gerenciada que existe nas mentes de muitos ocidentais, ainda (apesar de haver muitos sinais de que essa farsa começa a enfraquecer).

A lógica interna sombria desse imperium é precisamente autodestrutiva para a população doméstica, bem como para as nações nas quais ela espalha sua agressão, seja por meio do poder suave de ONGs, think-tanks e toxicidade cultural, ou através da guerra direita ou ataques proxy. A "sociedade aberta" só está aberta para a dominação do coletivo anti-humano, uma identidade coletivista unida apenas em sua premissa fundamental de liberdade negativa a qual, na filosofia política, denota um ponto de partida filosófica de negação de obrigações coletivas e realidades ontológicas. É neste sentido que a América agora representa o Admirável Mundo Novo, realizando a profecia alquímica de Bacon, como o motor de potências atlantistas, uma grande máquina por meio da qual projetar o pleno espectro da subversão sobre o globo, sob o disfarce risível dos "direitos humanos".

Ideias iluministas de liberdade como liberdade em relação a quaisquer limitações externas incorporadas no Estado devem logicamente se estender ao que, na filosofia, às vezes é chamado de autoconsciência epistêmica. Isso significa que uma cosmovisão ou sistema de crenças vai, ao longo do tempo, se tornar mais consistente com suas premissas fundacionais. Se essas crenças forem contraditórias, como muitas das opiniões dos empiristas do iluminismo eram, os seus descendentes sentirão estes efeitos, com o geist orientador movendo essas sociedades rumo a uma maior consistência interna. Essa consistência pode ter um lado sombrio, como mencionado, no qual o falso pode se tornar mais falso e mais corrupto. Este é o caso da América enquanto experimento iluminista, tendo escolhido como seu destino o satânico, para se desenvolver como o Imperium anti-imperial. Enquanto tal, é agora inerente dentro da lógica antilógica da América elevar o pior, exaltar o pior e buscar subverter globalmente.

Visto dessa maneira, a América enquanto força global e ideologia, se tornou um tipo de casca, um simulacro de nação, um imperium antimetafísico em guerra contra tudo que é tradicional, natural e orgânico. Energizado com toda a força da fúria demoníaca que caracteriza os aneis do Inferno de Dante, o pesadelo da LSDisneilândia deve ser estendido globalmente para trazer o imperium pós-humano de uma monocultura fanática cuja contra contra distinções e contra a diversidade real devora seu próprio "humanismo" como um ouroboros autodevorador. Neste sentido, o ouroboros é um símbolo dialético perfeito do mito clássico da América como, simultaneamente, o Admirável Mundo Novo e Atlântida. É uma Atlântida necromante onde o caldeirão alquímico de homens brancos e negros deve ser combinado em uma reação química violenta para dissolver e destruir ambos os ethnoi (tal como todos os outros), fazendo emergir a elite dominante que busca se tornar pós-humana. 

Isaque Santos & Amarílis Demartini - Quarta Teoria Política: Resposta às Críticas Marxistas

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por Isaque Santos & Amarílis Demartini

Resposta a este texto contido na página Nova Cultura e a outros de teor similar.



Classe, Etnicidade e a Emergência da Quarta Teoria Polític em face do Marxismo


1.Introdução

Não são poucos os desafios que a Quarta Teoria Política há de encontrar para se estabelecer no cenário político e intelectual nacional como uma teoria completamente nova e descomprometida em relação a todas as teorias e projetos de poder que a precederam. Em um primeiro momento, percebemos que a maior parte das vozes que se levantam para lançar críticas e acusações contra a Quarta Teoria Política, e seus adeptos, não vêm do inimigo declaradamente liberal, mas daqueles que, de uma forma ou outra, rebelam-se contra este mesmo inimigo. Isso não é nada surpreendente, e soa até natural, por algumas razões centrais. 

Em primeiro lugar, porque o liberalismo teme a Quarta Teoria Política, já que a compreende como sendo o mais afrontoso desafio lançado contra si desde o início da modernidade. Os liberais conscientes não temem a 2ª e a 3ª TPs [1], pois, combatendo no campo dos paradigmas modernos, sabem-se vitoriosos e tem o testemunho da História a assegurar-lhes tanto. Já há muito tempo, o liberalismo aprendeu a instrumentalizar o simulacro sobrevivente da oposição que um dia os fascismos e os marxismos representaram para perpetuar-se como detentor de um poder hegemônico virtualmente inquestionável. Assim, a 1ª TP joga comodamente com as duas teorias modernas consecutivas, ambas confinadas à inexpressividade desde que foram derrotadas, e coloca-as para se digladiar esporadicamente conforme julga oportuno.  É evidente que em tal cenário não lhe convém a formação de uma ameaça real às próprias bases modernas sobre as quais o liberalismo globalista se consolidou, e seus agentes se esforçarão para manter-nos na marginalidade e para afastar de nós possíveis aliados, antigos simpatizantes das teorias fascistas e marxistas, usando da própria influência dos elementos modernos (e, portanto, comuns ao liberalismo) nessas teorias. Ora, a forma mais simples de executar essa estratégia divisionista é procurar identificar-nos com os espantalhos que os atuais simulacros fascistas e marxistas ocupam-se em extirpar, ou seja, tentarão nos apresentar como “marxistas esquerdistas” aos que vem da 3ª TP e como “fascistas capitalistas” aos da 2ª TP. É apenas ridiculamente previsível, portanto, que as principais críticas que os pretensos seguidores dessas teorias nos lançam sejam todas construídas nessa chave! [2] 


Por outro lado, é o apego improdutivo da parte dos não-liberais filiados ao comunismo ou o fascismo que faz com que eles sejam tão vulneráveis aos planos do inimigo. Essas pessoas precisam perceber que estamos em um novo momento da trajetória moderna, aquele ponto decisivo no qual a queda inevitável sucede o ápice. A modernidade não poderá salvar-se e cabe a nós decidir se vamos lutar para que essa queda seja a do liberalismo e da ultra-modernidade permeada por sua pulverização, ou se vamos assistir a destruição de tudo o que entendemos por mundo, já que o globalismo liberal irá inevitavelmente arrastá-lo em sua queda se for deixado à vontade (levando consigo as identidades étnicas e raciais e o que sobrou da classe trabalhadora). Nessas circunstâncias, não há sentido em disputar sobre quem vai liderar a Revolução, em um viés universalista e moderno, pois o resultado jamais seria revolucionário: só o caminho multipolar e antimoderno pode significar Revolução, seja qual for à forma particular que ele tome. 

Nós compreendemos que seja difícil abandonar convicções de longa data, reconhecer as falhas nos ícones e atos ousados do passado, mas atente-se para algo importante: nós não deixaremos de honrar os méritos advindos deste passado. As discussões vindas do Comunismo e do Fascismo serão sempre bem-vindas entre nós e retomadas em um sentido de enriquecê-las ao despi-las de toda a modernidade (que nada mais é que persistente o ethos burguês) que as levou ao fracasso. Entretanto, é imperioso que isso se dê com o pleno reconhecimento da superação daquelas teorias e, consequentemente, dos seus aspectos mais deletérios.

Desta forma, o presente artigo se apresenta como uma resposta a certas críticas veiculadas em sites de orientação marxista-leninista brasileiros, e o nosso principal objetivo aqui é lançar um chamado ao diálogo e à revisão construtiva de posicionamentos. A partir dessa perspectiva, discutiremos e refutaremos os ataques que nos foram feitos, começando pela acusação de neofascismo. 

2.O espantalho fascista:

O estigma mais frequentemente lançado contra nós pelos marxistas é o de que seríamos uma nova versão de fascismo, apenas com termos atualizados e preparada na Rússia.  Para isso, remetem-se à nossa alegada defesa do corporativismo e ao nosso resgate do pensamento de Julius Evola, nos acusam de racistas e saem à caça de fotografias que mostrem Aleksandr Dugin ao lado de personalidades nacionalistas que eles, por vias de umas obscuras definições, consideram fascistas. 

As definições são propositalmente obscuras, pois os nossos detratores não se preocuparam até agora em referir, dentre as várias possibilidades de definições marxistas de fascismo [3], a exatamente qual se remetem para classificar-nos assim. Esse procedimento é uma espécie de padrão e Alain de Benoist o referiu em um artigo no qual expõe muito bem os usos e problemas do “antifascismo” atual [4]. Como Benoist já havia prevenido, o objetivo almejado ao se caracterizar alguém como fascista dentro do cenário político dos nossos tempos é, essencialmente e da forma mais contundente possível, o de criminalizar o adversário por meio de uma condenação moral e, portanto, inquestionável, de forma que o debate seja apresentado como indigno de ser feito e sigamos com a farsa de uma política reduzida a administração, impingida de liberalismo cuja gradação varia periodicamente, mas sem nunca mudar de paradigmas. Assim, partindo de elementos das mais variadas correntes ideológicas conformes e das que pretendem não ser, temos “fascistas imaginários” surgindo em cada esquina.

Ainda interessados em nos difamar, adeptos do comunismo lançaram mão da segunda acusação favorita do sistema [5], a de racismo. Uns até mesmo admitem que o próprio Dugin tem uma série de escritos pronunciadamente antirracistas e, mesmo a par da própria contradição, seguem nos acusando. Não vamos nos desgastar repetindo tudo o que já está brilhantemente exposto, por Dugin e outros autores ligados à Quarta Teoria Política, sobre o racismo e nossa completa rejeição de qualquer atitude ligada a ele. Há um capítulo inteiro dedicado a isso em A Quarta Teoria Política[6] e nos basta lembrar aqui duas coisas: em primeiro lugar, o racismo é uma teoria moderna, fundamentada por ideias progressistas e evolucionistas aplicadas à antropologia – nosso pensamento, por outro lado, tem como um de seus pontos centrais a negação radical destas ideias e modos de proceder. Em segundo lugar, nos pautamos pela afirmação concreta da autodeterminação de cada povo e isso inclui como pressuposto básico que nenhum dos povos pode se arrogar um papel de superioridade com relação aos outros, seja com base em características biológicas ou de qualquer outra natureza. Aí repousa um dos nossos grandes diferenciais com relação aos defensores da 2ª TP, já que nos textos em que eles pretendiam nos tachar como racistas, encontramos perturbadoras afirmações explícitas do seu universalismo racista, como a de que “a sociedade socialista” – e entenda-se aqui o termo no sentido marxista estrito – “é a única sociedade realmente livre do capitalismo mundial”, relegando, então, todas as outras raças/etnias que se organizaram por formas sociais não modernas ou não marxistas, ao posto de escravas incapazes de encontrar seu caminho para a resistência e para o que cada qual considera como sendo a liberdade. Ou seja, é atribuída a dois ocidentais, Marx e Engels, uma capacidade única e absoluta de determinar o destino e a visão de mundo adequada para todas as raças e povos existentes. 

Nós sabemos que a ofensiva do liberalismo é global, sendo o capitalismo sua forma econômica por excelência, e que deve ser combatido globalmente, mas esse combate será feito justamente pela afirmação identitária de diferentes sociedades formuladas por diferentes grupos étnicos, segundo seus parâmetros específicos, sendo cada qual livre em seus termos para pensar a si mesma – “as revoluções socialistas terão de se realizar”, dizia Perón, “que cada um faça a sua, não importando os signos internos com que se realizam”. 

Apesar de tudo isso, uma postura “anti-miscigenação”, que estaria ligada a Julius Evola, seria suficiente para nos impingir o rótulo de racistas. Ora, segundo vários intérpretes da obra de Evola [7], as referências do autor a uma “raça do espírito” tem conotação exclusivamente metafísica, sem implicações diretas no plano biológico. Além disso, as relações de Evola com os movimentos fascista e nacional-socialista são bastante controversas e o autor chegou a ser perseguido por eles. De qualquer forma, o pensamento evoliano está longe de ser algum tipo de cânone para nós. Se o conhecemos e citamos, isso não implica em acordo total com suas teorias de forma acrítica, mas em reavaliação e questionamento constantes para a apropriação seletiva de elementos, havendo inclusive divergências internas a este respeito. 

Como evidência de sermos contra a miscigenação, nossos detratores recorrem a escritos muito específicos, mais informais e voltados para circulação interna entre o movimento russo eurasiano (que, destaquemos, não é equivalente à Quarta Teoria Política). Daí, eles tiram de contexto uns trechos aleatórios que falam sobre ter afeto para com os do próprio grupo e, sem maiores explicações, afirmam que isso é prova de que os eurasianos defendem a “raça pura”, e ainda por cima, geneticamente pura! Antes de mais nada, os ditos materialistas deviam ser os últimos a se preocupar em com quem qualquer um vai querer ter filhos ou não, já que não atribuem maiores significados a isso, além da simples reprodução. O fato de estarem tão incomodados só mostra sua tendência a ser mais um agente homogeneizante colaborador da estratégia liberal globalista. Depois, se qualquer comunidade étnica ou cultural aprova de forma legítima e autônoma que seus membros se casem apenas uns com os outros, nós não temos nem o direito nem a mínima intenção de interferir. Aliás, se com isso se entende que serão otimizadas as condições de sua preservação com relação à cultura ou outras características fundamentais, nós só temos a apoiar tal iniciativa, mas sempre ressaltando: desde que isso não implique de forma alguma na imposição de uma supremacia sobre as demais comunidades. O que podemos afirmar em nome de toda a 4ª TP é que não perseguimos a tal pureza genética como algum fim, sendo esta ideia um espantalho até mesmo em relação à 3ª TP, mais aplicável às fantasias americanas. Sabemos que boa parte dos brasileiros é fruto de miscigenação relativamente recente e não consideramos isso problemático, de forma que nós não vemos sentido algum em desenvolver qualquer teoria geral e absoluta sobre a questão por aqui, nem para incentivar a miscigenação, nem para repudiá-la em definitivo. Nosso projeto de Brasil começa a se desenhar em uma chave imperial (em um sentido não-monárquico) e comunitarista, ou seja, pautando-se pela união na diversidade de povos.

Não é demais reforçar que a 4ª TP é fundamentalmente antirracista porque afirma a diferença e a pluralidade até as últimas consequências. A negação das raças nada mais é que outra forma de racismo, fruto da ânsia liberal em eliminar as diferenças. Não há igualdade absoluta entre os entes: há, ao contrário, modalidades distintas de manifestação destes mesmos entes em níveis, graus, dimensões e fragmentos diferenciados do cosmo político. Em linhas gerais, parafraseando Carl Schmitt, para a 4ª TP, o mundo político não é um universo, mas um pluriverso. É justamente por negar o falso deus do igualitarismo, por reconhecer que a realidade humana é ontologicamente marcada pela alteridade e por um atrito cosmovisional que movimenta a História, que a 4ª TP nega toda forma de racismo (desde o racismo biológico-evolucionista da Terceira Via ao racismo tecnológico-progressista da Primeira e da Segunda Vias). 

Não tem a ver com humanitarismo. O humanitarismo progressista, seja de esquerda ou de direita, fundamenta uma postura antirracista negativa, fundada sobre a postulação canhestra de um igualitarismo antropologicamente insustentável. Já o antirracismo da Quarta Via é o antirracismo positivo, afirmativo, concreto, que não cessa em afirmar a pluriversidade humana como valor e como vetor de ação e da prática política. 

Por isso, a autodeterminação dos povos é central na construção do projeto de uma Quarta Teoria Política. Sem que os povos possam determinar a si mesmos enquanto povos, não faz sentido falar em multipolaridade, contra-hegemonia ou em anti-imperialismo. O modelo de autodeterminação que nega a qualidade dos povos de se articularem conforme suas próprias tradições, isto é, de romperem radicalmente com o paradigma universalista do Ocidente moderno, simplesmente não autodetermina nada na realidade: nisso consiste, por exemplo, o maior problema e a maior limitação da teoria marxista em lidar com a questão dos povos. 

Por isso Dugin está correto ao dizer que: "O marxismo é o outro lado da hegemonia ocidental. Embora critique seus aspectos mais falsos e odiosos e revele a sua natureza classista, não questiona a justificação histórica e nem a fatalidade da ordem das coisas". A teoria marxista lida com os povos considerando-os um meio para um determinado fim. A Quarta Teoria Política vê nos povos a justificação última de sua existência enquanto projeto político. A autodeterminação marxista é parcial e concerne apenas aos povos "menos atrasados" e melhor ajustados ao "desenvolvimento da humanidade", ou seja, aqueles que desprezam o etnocentrismo e se mostram aptos a dissolverem-se a si mesmos, os que já não se constituem mais enquanto povos autoconscientes. 

A autodeterminação quarto-teórica é radical, inclusiva e nega a ideia de humanidade enquanto categoria política. O que existe é o homem em suas múltiplas manifestações antropológicas e em suas múltiplas possibilidades de efetivação (Dasein). Os povos constituem-se a partir de realidades locais e não universais, assim sempre foi e assim sempre será: é por essa razão que a autodeterminação multipolar da Quarta Teoria Política é teórica e politicamente superior à autodeterminação dos povos esboçada por Lênin, Rosa Luxemburgo e pelo marxismo em geral.

Outro dos artifícios empregados para tentar justificar o nosso suposto fascismo é atribuindo-nos a defesa do corporativismo. Essa argumentação também está muito mal construída, não apresenta definições nem cita textos nossos que possam esclarecer a que se refere, nem se se está discutindo o corporativismo como fenômeno econômico que busca a conciliação de classes sem a transformação da estrutura social hoje existente (isso é, com a conciliação de classes atendendo à manutenção da sociedade burguesa) ou como superação das formas políticas liberal-burguesas. 

Embora alguns de nós encontremos pontos vantajosos nas doutrinas de Manoilescu, não se pode afirmar que exista uma defesa monolítica e sistemática delas na Quarta Teoria Política. Para consolidar sociedades neotradicionais precisaremos conformar economias não liberais e esse tema oferece uma série de possibilidades. Em todo caso, é consensual que a burguesia não pode nem deve ser um elemento central na estrutura econômica, tendo em vista seu papel histórico como agente anti-tradicional, com muitos em nosso meio defendendo, de fato, sua completa eliminação no tecido socio-econômico. Não negamos que as contribuições marxistas são importantes nesse campo e buscamos fazer esse debate junto com os marxistas, mas o faremos sempre fora de uma perspectiva determinista ou materialista. Levando em conta essa diferença central, o campo da economia é provavelmente aquele no qual temos mais concordâncias com a 2ª TP, além da prática política revolucionária. 

Por outro lado, se por corporativismo se entende a elaboração de formas políticas que não sejam redutíveis ao paradigma liberal sem, contudo, abraçar a quimera marxista de engendrar estruturas políticas que permitiriam um movimento dinâmico em direção à eliminação da própria política, então é possível dizer que de fato somos corporativistas. Ainda aqui, devemos reiterar que estamos abertos às experiências políticas do assim chamado "Socialismo Real", justamente pelo seu caráter de ruptura com os dogmas liberais.

Por fim, muitos marxistas não compreendem a crítica que fazemos do comunismo. Pensam que estamos repetindo a noção de 3ª TP que lia a decadência ocidental como fruto de um complô liberal-marxista, mas é muito fácil verificar que isso não condiz com a nossa doutrina. A crítica se dá justamente por aquilo que os liberais e marxistas tinham em comum com o próprio fascismo: a modernidade. Talvez aí esteja o porquê de recebermos tantos ataques de comunistas e fascistas – pois a sobrevivência mesma dos simulacros que hoje representam essas teorias se baseia na negação de sua derrota para o liberalismo em conduzir a modernidade, e quando miramos nesta, os atingimos todos juntos, expondo dolorosamente a condição que procuram ocultar e que os liga fatalmente ao que pretendem odiar.

3.Burguesia e Classe:

Na esteira dos rótulos de fascismo e corporativismo, vem também a ideia de uma ligação com a chamada “burguesia nacional”. Como já dissemos acima, tal ligação não faria sentido para nossa proposta tendo em vista o fato de o elemento burguês ser um agente anti-tradicional por excelência. Entretanto, certos detalhes de natureza conceitual se colocam neste campo também. 

Para começar, a própria dicotomia marxista de explorador e explorado, bem como a identificação do explorador burguês na modernidade, enfrenta no momento do capitalismo tardio uma complexificação cada vez maior devido à dispersão dos mecanismos de exploração [8]. Assim, a definição da burguesia como “a classe que detém o monopólio dos meios de produção”, quando existem tantas formas de exploração que não envolvem diretamente a própria produção, além de tipos de produção que não envolvem necessariamente a exploração, e desconsiderando a escala em que esses processos se dão, é no mínimo uma simplificação grosseira demais para ser usada como categoria de análise. A definição quarto-teórica de burguesia certamente leva em conta a questão material e da exploração, mas não pode se limitar a ela. A burguesia é uma classe econômica, mas não é apenas uma classe econômica e não se define apenas pela questão da produção. A burguesia é antes uma entidade histórica com características próprias no campo do pensamento e da política e não se pode defini-la sem levar em conta essas características, as quais estão ligadas de forma indissolúvel ao advento do Iluminismo e ao liberalismo. 

Assim, definiríamos brevemente a burguesia como uma classe conformada em torno do dinheiro, para a qual o valor mercantil é determinante de todos os outros e deve ser parâmetro em todo julgamento. Todo aquele que age como se o dinheiro fosse a fonte legítima do poder e da moral, aquele que conspira para que a política seja subordinada à economia e para que a existência humana seja dedicada apenas à satisfação material e ao acúmulo de posses, é um burguês. É claro que existem formas identificáveis de atuação da burguesia no âmbito do concreto, da produção e do consumo, e que estas são as principais devido ao próprio caráter do dinheiro, bem como a facilidade de se subjugar os seres manipulando sua necessidade de sobrevivência. Mas mesmo essas formas não são redutíveis a uma fórmula geral que possa definir a burguesia apenas pelo viés material sem levar em conta outros aspectos, morais ou simbólicos. A propriedade privada do meio de produção não pode ser uma categoria suficiente para determinar o que é a burguesia na Quarta Teoria Política, pois ela não leva em consideração o elemento central para nós, que é o Povo: um camponês que é proprietário de suas terras e trabalha com sua família ou uma costureira que mantém sua oficina e empregados, ambos podem ser proprietários privados de meios de produção sem ser burgueses, dependendo de como o tipo de produção por eles executada se encaixa na realidade mais ampla da sua comunidade e interage com a estrutura tradicional ali existente. Isso pode parecer uma relativização da classe burguesa para um marxista, mas na verdade é um conceito muito mais imbuído de carga política e, portanto, muito mais radical: a burguesia para nós deve ser completamente derrotada, tanto na sua manifestação material, quanto na sua gênese mental e espiritual, porque ela é o desvio decisivo da Tradição que rege o advento pleno da modernidade sob a égide do liberalismo. 

Quanto à chamada “burguesia nacional”, é indiferente se um capitalista nasceu no Brasil ou em qualquer outro lugar. Quem usa da finança para destruir povos (dentro ou fora do Brasil), ou coloca a acumulação material e o egoísmo acima do projeto civilizacional e tradicional da multipolaridade, é necessariamente nosso inimigo. A burguesia brasileira está muito envolvida com o sistema financeiro e tem sido uma fiel serviçal dos interesses atlantistas contra a nossa soberania, não há o menor motivo para apoiá-la. 
Por nos negarmos a nos restringir às definições do determinismo marxista, os seus herdeiros nos taxam como idealistas. Alegam que ignoramos o conteúdo classista das teorias políticas modernas, quando deveríamos reconhecer o comunismo como oposto às outras duas por seu conteúdo de classe. Ora, nós não apenas reconhecemos a especificidade da Segunda Teoria como, inclusive, adotamos os aspectos revolucionários que ela oferece. Não rejeitamos a análise das condições materiais e a abordagem classista, mas as ressignificamos de forma que possam ser incorporadas à Quarta Teoria Política sem, no entanto, restringir a posição central ocupada pelo Povo, enquanto ente portador de uma tradição e de um destino histórico. Da mesma forma que procedemos com relação à classe, sendo esta o sujeito da 2ª TP, o fazemos no que diz respeito aos sujeitos das demais teorias – não queremos anular o Estado ou o indivíduo, por exemplo, mas realocá-los de forma justa segundo a ordem de importância dada por nosso próprio sujeito. 

4.Marxismo e Quarta Teoria Política: antagonismos e correlações

Se estabelecermos uma confrontação, de natureza tanto teórica quanto política, entre a doutrina marxista, considerada em sua totalidade, e o projeto de uma Quarta Teoria Política, tal como enunciada pelo cientista político Alexandr Dugin, observaremos alguns antagonismos fundamentais entre ambas, assim como alguns pontos de convergência: enquanto o marxismo dirige-se fundamentalmente ao proletariado, a Quarta Teoria Política se direciona as comunidades étnico-orgânicas – o Povo ou, para nos expressarmos em termos antropológicos, povos tradicionais [9]. Enquanto o marxismo anela pelo comunismo planetário, a Quarta Teoria Política vislumbra, em seu horizonte, o pluralismo econômico – tendo como base os modos de vida de cada comunidade étnico-orgânica, ou tradicional, em específico. Enquanto o marxismo critica o imperialismo e a hegemonia desde uma perspectiva classista e econômica, a Quarta Teoria Política, sem negar a validade de tal crítica, questiona a dominação ocidental não apenas em sua faceta material, mas também em sua dimensão axiológica e normativa. Enquanto o marxismo vê com bons olhos o paradigma do desenvolvimento técnico linear e cumulativo, considerando-o como uma necessidade histórica, a Quarta Teoria Política relativiza a generalidade de tal modalidade de desenvolvimento, caracterizando-a como um fenômeno local e não universal. E enquanto a perspectiva materialista do mundo é aceite pelo marxismo como fundamental, inequívoca e insofismável, a Quarta Teoria Política faz gravitar em torno de si as múltiplas cosmovisões dos diversos povos e comunidades tradicionais como via de resistência anticapitalista. Os pontos de convergência e de colisão podem ser visualizados no esquema abaixo:

Quadro Comparativo entre Marxismo e Quarta Teoria Política

Em síntese, embora convergentes nos aspectos negativos de crítica às modalidades de dominação ocidentais, marxismo e Quarta Teoria Política percorrem vias distintas em suas visões de mundo. 

A ideia ou o projeto de uma Quarta Teoria Política, para fazer sentido, pressupõe como verdadeira a tese da obsolescência das teorias políticas antiliberais modernas – o Comunismo e o Fascismo. Em outras palavras, se é verdade que os fascismos e os marxismos criticaram o liberalismo desde perspectivas diversas, também é verdade que ambos, em suas circunscrições históricas básicas, foram derrotados por este mesmo liberalismo na disputa pelo legado do Iluminismo: tal pressuposição não implica, evidentemente, a afirmação de que, na contemporaneidade política, Comunismo e Fascismo não exerçam qualquer tipo de influência em nenhuma parte do mundo, mas, sim, que tal raio de influência é absolutamente assimétrico em relação ao projeto de poder dominante, de matriz democrático-liberal, que traz em seu seio a estrutura unipolar das relações internacionais e tem o Ocidente globalista em seu centro – estamos falando, obviamente, do potencial estratégico dos Estados Unidos da América, dos flancos financeiros da União Européia e do poderio bélico-expansionista da OTAN. 

É neste sentido que as a tese da obsolescência das ideologias modernas deve ser encarada. Tal como assevera Dugin, em sua obra Teoria do Mundo Multipolar [10]:

"[...] no mundo actual [...] não existe qualquer ideologia generalizada e coerente capaz de unir grande parte da humanidade numa oposição duramente ideológica à ideologia da democracia liberal, do capitalismo e dos ‘direitos humanos’, nas quais se baseia a [...] hegemonia dos Estados Unidos."

Em se tratando de marxismo, pode-se dizer que ele continua sendo atual em seus diagnósticos acerca dos aspectos deletérios da modernidade capitalista. Pode-se dizer que ele possui um arsenal analítico-científico perene na caracterização da contemporaneidade política em seus aspectos classistas e materiais e que a luta de classes, tal como enunciada por Marx, continua sendo um substantivo das relações sociais. Mas se é verdade que não há qualquer força doutrinária sólida capaz de fazer frente à dominação ocidental, em sua estruturação hegemônico-unipolar, não se poderia concluir a partir disso que não exista qualquer tipo de resistência a semelhante dominação. E é no seio da configuração imediata desta mesma resistência que o marxismo encontra hoje, enquanto teoria política abrangente, sua maior debilidade, uma vez que as maiores forças de oposição ao imperialismo, ao globalismo e à hegemonia ocidental não são, na atualidade, caracterizadas por um ideário marxista.

Assim sendo, Dugin e outros autores vinculados à Quarta Teoria Política estão familiarizados com a literatura marxista e, até certo ponto, dialogam com ela, porém reconhecendo que o marxismo não pode fornecer respostas concretas adequadas à fase atual do liberalismo e apontando o fato de que, tanto as mobilizações importantes que despontam no cenário da pós-modernidade não são marxistas, como as de outrora que assim se denominavam tinham divergências práticas contundentes com relação ao que se infere da teoria marxista. Uma destas divergências foi demonstrada em A Quarta Teoria Política, quando Dugin alude ao fato de que Marx e Engels esperavam que as Revoluções que instalariam seu sistema político e econômico socialista partiriam de países em estágio avançado do capitalismo industrial. 

Alguns marxistas sustentam que tal afirmação é um absurdo, alegando que Dugin não conhece Marx e que as cartas deste endereçadas à Vera Ivanovna Zasulitch desmentiam tal disparate. Vejamos se isto é certo. 

Vera Zasulitch foi uma revolucionária russa que escreveu uma carta a Marx no ano de 1881 pedindo orientações sobre como proceder com relação aos camponeses das comunas rurais. A dúvida era especificamente se estas terras cultivadas coletivamente poderiam passar diretamente ao socialismo ou se, como defendiam os marxistas russos, seria necessário primeiro que o capitalismo se desenvolvesse fazendo com que esta forma de cultivo desaparecesse. A versão da resposta de Marx que efetivamente foi enviada a Zasulitch não chega a duas páginas e, quando foi encontrada anos depois, nem a destinatária nem seus camaradas tinham memória de sua existência [11]. Ao que se tem notícia, esta carta – que segundo os nossos adversários marxistas, continha uma análise que “forneceu bases e antecipou o movimento que culminaria na Revolução Russa de 1917” – não foi publicada antes de 1923. 

Quanto ao conteúdo da carta, é certo que Marx admite a possibilidade de que a comuna rural seja um instrumento da regeneração social da Rússia, mas para isso seria necessário eliminar nela as “influências deletérias”. Na versão final, não há maiores explicações sobre os porquês das afirmações de Marx, mas os quatro esboços prévios nos oferecem mais detalhes. Nos esboços é evidente que, para Marx, a comuna não seria ela própria a responsável por sua salvação, mas dependeria de uma revolução russa, proletária e marxista. Só seria possível à propriedade comunal ir do seu estágio arcaico ao socialismo marxista porque ela “é contemporânea de uma cultura superior e encontra-se ligada a um mercado mundial, no qual predomina a produção capitalista” [12]. Na verdade, não há negação da visão progressista, determinista e etapista de história, típica dos seus seguidores, Marx apenas considera possível que algum local pule etapas valendo-se do contato com outro que já atingiu o patamar apropriado. Corroborando isso, Marx afirma que [13]

"Se a Rússia se encontrasse isolada no mundo e, portanto, tivesse de produzir por conta própria as conquistas econômicas que a Europa ocidental realizou durante uma longa série de evoluções desde a existência de suas comunidades primitivas até a atualidade, não haveria, pelo menos a meu ver, nenhuma dúvida que as suas comunidades seriam fatalmente condenadas a perecer com o desenvolvimento progressivo da sociedade russa". 

Também não há qualquer afirmação na correspondência com Zasulitch que indique que Marx acreditava que a tal revolução russa, que viria a libertar os camponeses, fosse de fato acontecer. Esta problemática não é sequer mencionada, e a ideia de que a propriedade coletiva russa fosse diretamente para o socialismo é subordinada àquela da revolução: a “comoção geral da sociedade russa” que seria capaz de tirar as comunidades campesinas de seu isolamento. Portanto, não há nada de absurdo no que Dugin escreveu em A Quarta Teoria Política, muito longe disso. 
A interpretação que estamos expondo por aqui é a mesma que Engels, co-autor e amigo pessoal de Marx durante décadas, fez em seu Posfácio à Questões Sociais da Rússia[14], em 1894. Engels diz com todas as letras que “a iniciativa para uma eventual reconfiguração da comuna russa não poderá partir dela mesma, mas única e exclusivamente dos proletários industriais do Ocidente”. Mesmo Lênin, em seu Duas Tácticas da Social-Democracia na Revolução Democrática[15], considerava que a passagem de uma fase comunal arcaica a uma fase socialista constituía uma “elucubração dos populistas e dos anarquistas", afirmando ser impossível para a Rússia "escapar do capitalismo ou saltar por cima dele por qualquer meio que não o da luta de classes no terreno e dentro dos limites desse mesmo capitalismo". 

Portanto, está muito claro que o Luta de Classes na Rússiaé mais uma obra para dar fundamento à nossa afirmação anterior: a teoria marxista lida com os povos considerando-os um meio para um determinado fim. Este fim é o mesmo em qualquer circunstância – a revolução dos marxistas, moderna e universalista. E não há qualquer dúvida de que entre as “influências deletérias” que Marx gostaria de eliminar nos camponeses russos estão os seus valores e costumes tradicionais milenares.
Na Quarta Teoria Política, os povos não podem ser meros meios, eles são o próprio fim da Revolução. Eles são os principais agentes desta revolução laocrática, comunitarista, que é a única forma de manter viva a diversidade do mundo e toda a beleza nela contida. A intervenção que nos é legítima é a de garantir e deixar claro aos povos que eles teriam total autonomia sobre sua produção e modo de vida. Diante disso, vem o questionamento marxista: “Mas e as tradições ruins? Não faremos nada para combatê-las?”. Aí temos mais uma demonstração de racismo e ignorância antropológica. Em primeiro lugar, não é fácil definir o que é uma tradição, um costume qualquer não é tradição só por existir há muito tempo, é preciso que ele cumpra uma função pluridimensional em interação com a cultura e a população que a mantém. A tradição dá sentido e justifica a existência de um povo, é uma afirmação identitária, étnica, espiritual e filosófica de um ser coletivo. Um estrangeiro teria que estudar muito a fundo outra nação para distinguir as fronteiras da tradição alheia. Quem define a tradição de um povo é o próprio povo. Quem define se ela é boa ou ruim é o próprio povo, segundo critérios autênticos. As “tradições boas ou ruins” devem ser delegadas ao que Rita Laura Segato denomina de “foro comunitário”. A autora, ao discutir a necessidade de se devolver aos Povos a condição de vetor histórico para a construção deus próprios projetos históricos, de modo instigante, se aproxima muito do projeto de uma Quarta Teoria Política ao afirmar que [16]:

"Cada povo deveria ter as condições de deliberar internamente como mudar ou contornar os costumes que levam a sofrimento desnecessário de alguns dos seus membros. E essa deliberação, que sempre ocorreu, não é outra coisa que o motor da história".

Nós não temos a menor pretensão de sair mundo afora eliminando as tradições alheias que nos escandalizam, e, ao propor algo assim com tanta naturalidade, os marxistas mencionados escancaram aos olhos de todos seu ferrenho moralismo iluminista. Por outro lado, nós acreditamos que um povo, exercendo de sua liberdade e autonomia, é perfeitamente capaz de criar seus próprios mecanismos de seleção e modificação cultural, eliminando práticas que lhe sejam opressivas ou danosas – disto depende sua sobrevivência. Também não rejeitamos as noções da diplomacia e solidariedade entre os povos, que são, inclusive, essenciais para a efetividade da resistência ao globalismo. 

Da mesma forma que com relação às tradições, procedemos com relação à técnica e à ciência ocidental – apelando radicalmente ao princípio de autodeterminação. Os críticos da 4ª TP acusam Dugin de ludismo, anarcoprimitivista, de querer varrer toda a tecnologia junto com a modernidade. Vê-se que eles pouco entendem sobre a nossa percepção da modernidade e da tecnologia. O desenvolvimento da técnica não é um apanágio da Era Moderna, sempre ocorreu em maior ou menor grau, segundo as necessidades e valores concretos das civilizações humanas. O que observamos de errado no avanço tecnológico de nosso tempo é justamente o seu descolamento de quaisquer necessidades ou valores orgânicos. As nações modernas são escravizadas à técnica que, por sua vez, só serve para aumentar o poder dos globalistas. Se uma tecnologia é descoberta e não se encaixa nos planos das potências unipolares, ela não sairá dos laboratórios. Os marxistas foram os primeiros a entender e explorar as formas como a mecanização e o desenvolvimento técnico, nas mãos de burgueses, serviram para explorar e alienar mais e mais os trabalhadores. Qual o motivo, então, para que continuem a defender cegamente o cientificismo e a febre tecnológica, se não o fetiche determinista que ainda hoje – após seu evidente fracasso – os move?!

5.Conclusão:

Ao redor do mundo, vários movimentos que defendem a 4ªTP tem se esforçado por abrir canais de diálogo com os movimentos marxistas, nos quais observamos muitas virtudes e potencialidades. O marxismo ibero-americano se mostra especialmente fecundo, contando com figuras como Che Guevara, Mariátegui e além de ter influenciado líderes nacional-revolucionários como Hugo Chávez. Nos escritos deixados por eles, encontramos muitas boas ideias e até trechos que parecem ter sido escritos de uma perspectiva quarto-teórica, nos quais transparece uma compreensão apurada sobre a fase de triunfo e dispersão do liberalismo. 

Da parte dos seguidores brasileiros da 4ªTP, este trabalho continuará recebendo a devida atenção. Esperamos, com isso, abrir novos caminhos para a resistência antiliberal no Brasil, para sua expansão e fortalecimento. Entretanto, para que este intento se concretize, é preciso que os adeptos da 2ª TP (assim como os da 3ª TP) ousem se afastar do conforto de noções pré-concebidas ao ponto de questionar seus fundamentos modernos e sair do isolamento a que se condenaram, compreendendo finalmente as implicações da pós-modernidade e contribuindo para a elaboração de uma resposta adequada a ela. Neste sentido, concluiremos fazendo menção ao Quarto Objetivo Histórico enumerado no Plan de La Pátria 2013-2019, documento publicado pela Venezuela chavista e que sintetiza o ápice da evolução teórica da Revolução Bolivariana e que, deixaremos registrado, constitui uma clara aproximação em relação ao que a Quarta Teoria Política prevê como horizonte de solução: Contribuir para o desenvolvimento de uma nova geopolítica internacional, na qual tome forma um mundo multicêntrico e pluripolar que permita alcançar o equilíbrio do universa e a paz mundial [17]

1.      Notas:

1 – Respectivamente, o comunismo e o fascismo. Se você não conhece os fundamentos da Quarta Teoria Política, neste vídeo pode ver uma breve explicação do Professor Aleksandr Dugin com legendas em português: <https://www.youtube.com/watch?v=YpRykFhRlIA>.
2 – E nesse ponto, os autores da Página Vermelha beiram a esquizofrenia, nos qualificando como anarquistas (2ª TP), fascistas (3ª TP) e liberais (1ª TP) no mesmo texto.
3 – Podemos citar, por exemplo: a de Dimitrov, adotada como oficial pelo Comintern, a de Lukács, a de Adorno, entre outras.
4 – Referindo-se ao uso feito do termo “fascismo”, nos diz o autor: “A palavra hoje é um termo guarda-chuva sem qualquer conteúdo preciso. É um conceito elástico, aplicável a qualquer coisa, empregado sem o menor rigor descritivo, e que acaba sendo declinada em ‘fascista’ (como adjetivo) e até em ‘fascistoide’, que se permite adaptar a todos os tipos de casos. Leo Strauss já havia falado do Reductio ad Hitlerum para qualificar essa forma puramente polêmica de descrédito. A maneira pela qual, hoje em dia, qualquer pensamento inconformista é riscado como ‘fascista’ por parte de censores que eles próprios dificilmente poderiam definir o que entendem por este termo, forma parte da mesma estratégia discursiva.” Tradução para o português em: http://legio-victrix.blogspot.com.br/2015/05/alain-de-benoist-o-pensamento-unico.html.
5 – Também aludida por Benoist no artigo citado.
6 – DUGIN, Aleksandr. A Quarta Teoria Política. Curitiba: Austral, 2012.
7 – Inclusive no espectro da Quarta Teoria Política, como os citados acima, Dugin e Benoist.
            8 – Não é que os marxistas não se empenhem na tarefa: a Nova Esquerda dedicou livros inteiros a essas questões. Não pôde evitar, entretanto, um esgarçamento cada vez maior de seus recursos teóricos.
9 – Para uma caracterização do conceito de povos tradicionais em ciência antropológica, ver: LITTLE, Paul E. Territórios Sociais e Povos Tradicionais no Brasil: por uma antropologia da territorialidade. Série Antropologia. 322. Departamento de Antropologia, Instituto de Ciências Sociais: Universidade de Brasília (UnB), 2002.
10 – DUGIN, Aleksandr. Teoria do Mundo Multipolar. Lisboa: Instituto de Altos Estudos em Geopolítica & Ciências Auxiliares, 2012, pág. 13.
11 – Segundo o também marxista David Riazanov em: ENGELS, Friedrich e MARX, Karl. Luta de classes na Rússia, São Paulo: BOITEMPO editorial, 2013. Página 71.
12 – No segundo esboço, pág. 105, do livro referenciado acima.
13 – Idem, páginas 104 e 105.
14 – Constante no mesmo Luta de classes na Rússia, entre as págs. 126 e 142.
16 – SEGATO, Rita Laura. Gênero e colonialidade: em busca de chaves de leitura e de um vocabulário estratégico descolonial. E-cadernos CES (Online), v. 18, p. 1-5, 2012.

Hamed Ghashghavi - Quem é o Comandante Qassem Suleimani?

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por Hamed Ghashghavi

Tradução por Ana Siman



[Hamed nos concede a sua  visão sobre o Comandante Qassem Suleimani, líder das forças Al Quds no Irã. Uma figura não muito conhecida, apesar de muito importante e respeitada por aqueles que acompanham a situação politica do Oriente Médio.]
O nome deste comandante iraniano não soa estranho para muitos que estudam a situação no Oriente Médio, mas há alguns dias, na batalha contra os "soldados do mau" e sub-humanos tafkiris do Iraque, seu nome tem sido mencionado em alguns meios de comunicação como Fox News, Washington Post, CBS News e The Guardian.
E gostaria de esclarecer para os leitores sobre a carreira desse grande homem, de quem os altos funcionários do Pentagono têm medo até de ouvir seu nome.
Ele é o comandante das Forças Quds, uma divisão da Guarda Revolucionária Iraniana, criada em 1990, que leva a cabo algumas operações especiais fora do Irã, do qual o nome foi inspirado na palavra Al Quds, que significa Jerusalém, no idioma árabe.
De acordo com fontes de inteligência ocidentais, o general Suleimani desempenhou um papel importante na organização do Iraque pós-Saddam, e na guerra que o Ocidente impôs ao povo sírio. Anteriormente ajudou os afegãos na resistência contra a colonização norte-americana. Seus esforços tem sido muito eficazes no fortalecimento das estruturas de resistência do Hezbollah no sul do Líbano.
Tanto dentro como fora do Irã, entre os que sabem um pouco sobre as realidades no terreno, ninguém pode negar o seu papel significativo na luta contra as forças de Israel e dos EUA.
O Lider Supremo da revolução iraniana, que entrega mensagens de condolências ou felicitações, apenas em casos muito importantes, enviou uma carta pela morte da mãe do general, que dizia: "Os seus atos em favor do Islã e dos muçulmanos serão muito úteis para a sua mãe, que Deus abençoe a sua alma."
É importante saber que o Lider Supremo escolhe suas palavras cuidadosamente, inclusive para tal mensagem, que pode parecer simples aos nossos olhos. 

No Irã existem muitos jovens dispostos a dar suas vidas pelo Lider Supremo e por seu país; particularmente em um momento de guerra imposta pelos EUA e pela UE à Síria, Ucrânia e Iraque e constantes ameaças de "todas as opções estão á mesa"à Rússia e Irã.

Houveram muitos jovens que depois de uma fatwa (decisão jurídica baseada na lei islâmica)­­­­ do fundador da Revolução, Iman Khomeini, ocuparam a fronteira Irã-Iraque, de mais de 1.200 km (já que por séculos o Irã não havia realizado ataques a nenhum país, o período da guerra Irã-Iraque foi chamado de Defesa Sagrada).
Como iraniano, sei que a compreenção da definição do Lider Supremo pode parecer estranha ao povo ocidental, especialmente aos norte-americanos. Recomendo que assistam o vídeo de Ken O'Keefe entitulado "Irã não é a ameaça, nós somos". 

Voltemos ao homem cujo o nome foi apontado como um dos políticos iranianos mais importantes pelo Washington Post. Homem odiado, mas também admirado pelos sionistas. Segundo John Maguire, ex agente da CIA no Iraque, "é o agente de segurança mais perigoso do Oriente Médio, ninguém o conhece". Wired Magazine o chama de "o homem mais perigoso do mundo" e o The New Yorker o reconhece como o comandante mais eficiente na guerra síria. O Líder Supremo o considera um mártir vivo.

"Possui vinculos em todos os lados do regime iraniano. É alguém que eu considero politicamente um gênio", Meir Dagan, ex diretor do Mossad. "Sem dúvidas, ele é o homem mais poderoso do Iraque"...Dr. al-Rubaie Mowaffak, ex conselheiro de Segurança Nacional do Governo do Iraque.­

O General Suleimani foi muito dinâmico durante o período de 8 anos da Defesa Sagrada, quase 90% de seus amigos, que eram todos comandantes, se tornaram mártires e heróis nacionais.
Antes de se tornar general de Assuntos Internacionais da divisão da Guarda Revolucionária Iraniana, Qassem Suleimani atuou na luta contra as drogas na fronteira entre o Irã e o Afeganistão. Na mesma época em que os talibãs tomaram o poder no Afeganistão, ele foi nomeado comandante das Forças Quds. De acordo com o seu local de nascimento, ele é especialista em guerras civis (Afeganistão, Irã, Curdistão, Iraque e Siria, etc...).
As Forças Quds são muito ativas nas áreas política, de segurança e econômica do Iraque e outros países da região. Segundo vários meios de comunicação, os comitês de segurança tanto da CIA quanto do Mossad planejaram e reprogramaram dez vezes o assassinato deste grande homem. O Estado Islâmico que atualmente não hesitam em cometer qualquer crime contra o povo iraquiano, já declarou que irá matar o comandante Suleimani se o encontram na região do Iraque.
Devemos compreender que o que está acontecendo no Iraque não tem absolutamente nenhuma relação com o conflito entre sunitas e xiitas, como têm sido repetido por vários meios de comunicação em massa, e que na verdade se trata de um confronto direto entre o eixo da Resistência (Irã, Síria, Iraque e Líbano) e o eixo sionista estadunidense.

Para muitos jovens revolucionários e seguidores ao redor do mundo do Supremo Lider, Imã Khamenei, o general Suleimani é uma espécie de herói transnacional que lhes proporciona liderança e estímulo para ajudar-lhes a seguir lutando contra as forças do império norte americano e a entidade sionista.

Guillaume Faye - Marte & Hefesto: O Retorno da História

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por Guillaume Faye



Permita-me uma parábola "arqueofuturista" baseada no eterno símbolo da árvore, que eu compararei ao do foguete. Mas antes disso, contemplemos a dura face do século vindouro.

O século XXI será um século de ferro e tempestades. Ele não se assemelhará àqueles futuros harmoniosos previstos até a década de 70. Ele não será a aldeia global profetizada por Marshall MacLuhan em 1966, ou a rede planetária de Bill Gates ou o fim da história de Francis Fukuyama: uma civilização liberal global dirigida por um Estado universal. Ele será um século de povos em competição e identidades étnicas. E paradoxalmente, os povo vitoriosos serão aqueles que permanecerem fieis a, ou retornarem aos, valores e realidades ancestrais (que são biológicos, culturais, éticos, sociais e espirituais) e que ao mesmo tempo dominarão a tecnociência. O século XXI será aquele no qual a civilização europeia, prometeia e tráfica mas eminentemente frágil, passará por uma metamorfose ou entrará em seu irremediável crepúsculo. Será um século decisivo.

No Ocidente, os séculos XIX XX foram uma época de crença na emancipação das leis da vida, crença de que era possível continuar indefinidamente após ter ido à Lua. O século XXI provavelmente ajustará as contas e nós vamos "retornar à realidade", provavelmente por meio do sofrimento.

Os séculos XIX e XX viram o apogeu do espírito burguês, essa varíola mental, este simulacro monstruoso e deformado da ideia de uma elite. O século XXI, uma época de tempestades, verá a renovação conjunta dos conceitos de um povo e uma aristocracia. O sonho burguês vai desmoronar da putrefação de seus princípios fundamentais e promessas medíocres: a felicidade não vem do materialismo e do consumismo, do capitalismo transnacional triunfante e do individualismo. Nem da segurança, da paz ou da justiça social.

Cultivemos o otimismo pessimista de Nietzsche. Como Drieu La Rochelle escreveu: "Não há mais ordem a conservar; é necessário criar uma nova". O começo do século XXI será difícil? Todos os indicadores estão no vermelho? Melhor assim. Eles previram o fim da história após o colapso da URSS? Queremos acelerar o seu retorno: trovejante, belicoso e arcaico. O Islã volta a suas guerras de conquista. O imperialismo americano está livre para agir. China e Índia querem se tornar superpotências. E por aí vai. O século XXI será posto sob o signo duplo de Marte, o deus da guerra, e de Hefesto, o deus que forja espadas, o mestre da tecnologia e dos fogos ctônicos.

Rumo à Quarta Era da Civilização Europeia

A civilização europeia (não se deve hesitar em chamá-la de alta civilização, apesar dos acovardados xenófilos etnomasoquistas) sobreviverá ao século XXI apenas por meio de uma reavaliação agonizante de alguns de seus princípios. Ela será capaz se ela permanecer ancorada em sua personalidade metamórfica eterna: mudar permanecendo ela própria, cultivar enraizamento e transcendência, fidelidade a sua identidade e grandes ambições históricas.

A Primeira Era da Civilização Europeia inclui a antiguidade e o período medieval: uma era de gestação e crescimento. A Segunda Era vai da Era dos Descobrimentos à Primeira Guerra Mundial: é a Ascensão. A civilização europeia conquista o mundo. Mas como Roma ou o Império de Alexandre, ela foi devorada por seus próprios filhos pródigos, o Ocidente e a América e pelos próprios povos que ela (superficialmente) colonizou. A Terceira Era da Civilização Europea começa, em uma aceleração trágica do processo histórico, com o Tratado de Versalhes e o fim da guerra civil de 1914-1918: o catastrófico século XX. Quatro gerações foram suficientes para desfazer o labor de mais de quarenta. A história se assemelha às assíntotas trigonométricas da "teoria da catástrofe": é no ápice de seu esplendor que a rosa apodrece; é após um momento de claridade e calmaria que o ciclone estoura. A Rocha Tarpeia está próxima ao Capitólio!

A Europa caiu vítima de seu próprio prometeísmo trágico, de sua própria abertura ao mundo. Vítima do excesso de qualquer expansão imperial: universalismo, ignorante de toda solidariedade étnica, assim também vítima do micronacionalismo.

A Quarta Era da Civilização Europeia começa hoje. Essa será a era do renascimento ou da perdição. O século XXI será para essa civilização, herdeira dos povos fraternos indo-europeis, o século fatídico, o século da vida ou morte. Mas o destino não é simplesmente fado. Contrariamente às religiões do deserto, o povo europeu sabe no fundo de seus corações que destino e divindades não são onipotentes em relação à vontade humana. Como Aquiles, como Ulisses, o homem europeu original não se prostra ou ajoelha perante os deuses, mas se ergue reto. Não há inevitabilidade na história.

A Parábola da Árvore

Uma Árvore tem raizes, tronco e folhas. Quer dizer, princípio, corpo e alma.

1) As raízes representam o "princípio", a fixação biológica de um povo e seu território, sua pátria. Elas não nos pertencem; são transmitidas. Elas pertencem ao povo, à alma ancestrai, e vem do povo, o que os gregos chamavam de ethnos e os alemães Volk. Elas vem dos ancestrais; elas devem ir para as novas gerações. (É por isso que qualquer miscigenação é uma apropriação indébita de um bem que deve ser transmitido e, portanto, uma traição). Se o princípio desaparece, nada mais é possível. Se cortamos o tronco da árvore, ela pode crescer novamente. Mesmo ferida, a Árvore pode continuar a crescer, desde que ela recupere fidelidade com suas próprias raízes, com sua própria fundação ancestral, o solo que nutre sua seiva. Mas se as raízes forem arrancadas ou o solo poluído, a árvore está acabada. É por isso que a colonização territorial e a amalgamação racial são infinitamente mais sérias e mortais que a escravidão política ou cultural, das quais um povo pode se recuperar.

As raízes, o princípio dionisíaco, cresce e penetra o solo em novas ramificações: vitalidade demográfica e proteção territorial da Árvore contra ervas daninhas. As raízes, o "princípio", jamais são fixas. Elas aprofundam sua essência, como Heidegger viu. As raízes são ao mesmo tempo "tradição" (o que é transmitido) e "arche" (fonte vital, eterna renovação). As raízes são, assim, manifestação da memória mais profunda do ancestral e da eterna juventude dionisíaca. Esta remete ao conceito fundamento do aprofundamento.

2) O tronco é seu "soma", o corpo, a expressão cultural e psíquica do povo, sempre inovadora, mas nutrida pela seiva das raízes. Ela não é solidificada. Ela cresce em camadas concêntricas e se ergue rumo ao céu. Hoje, aqueles que querem neutralizar e abolir a cultura europeia tentam "preservá-la" na forma de monumentos do passado, como em formol, para estudiosos "neutros", ou simplesmente abolir a memória histórica das gerações mais jovens. Eles fazem o trabalho de lenhadores. O tronco, sobre a terra que o porta, é, era após era, crescimento e metamorfose. A Árvore da velha cultura europeia é desenraizada e removida. Um carvalho de 10 anos não se assemelha a um de mil anos. Mas é o mesmo carvalho. O tronco, que resiste ao relâmpago, obedece ao princípio jupiteriano.

3) A folhagem é extremamente frágil e bela. Ela morre, apodrece e reaparece como o sol. Ela cresce em todas as direções. A folhagem representa psyche, i.e., civilização, a produção e profusão de novas formas de criação. Ela é a raison d'être da Árvore, sua presunção. Ademais, a que lei o crescimento de folhas obedece? Fotossíntese. Quer dizer, "a utilização da força da luz". O sol nutre as folhas que, em troca, produzem oxigênio. A folhagem eflorescente, assim, segue o princípio apolíneo. Mas observe: se ela cresce desordenadamente e anarquicamente (como a civilização europeia, que queria se tornar o Ocidente global e se estender sobre todo o planeta), ela será pega pela tempestade, como uma vela de barco má amarrada, e arrancará e desenraizará a Árvore que a carrega. A folhagem deve ser podada, disciplinada. Se a civilização europeia quiser sobreviver, ela não deve se estender sobre toda a Terra, nem praticar a estratégia dos braços abertos... como a folhagem que é intrépida demais se superestende, ou se permite ser sufocada por vinhas. Ela terá que se concentrar em seu espaço vital, i.e., Eurossibéria. Daí a importância do imperativo etnocêntrico, um termo politicamente incorreto, mas que é melhor do que o modelo "etnopluralista" e, na verdade, multiétnico que ludibria ou esquemas propostas para confundir o espírito de resistência da elite rebelde da juventude.

Pode-se comparar a metáfora tripartite da Árvore com a daquela extraordinária invenção europeia, o Foguete. O motor corresponde às raízes, com fogo ctônico. O corpo cilíndrico é como o tronco da árvore. E a cápsula, a partir da qual satélites ou naves alimentadas por paineis solares são arremessados, traz à mente a folhagem.

É realmente um acidente que as cinco grandes séries de foguetes espaciaias construídas por europeus, incluindo expatriados nos EUA, foram respectivamente chamadas Apollo, Atlas, Mercúrio, Thor e Ariadne? A Árvore é o povo. Como o foguete, ela se ergue aos céus, mas parte de uma terra, um solo fértil onde nenhuma outra raiz parasita pode ser permitida. Sobre uma base espacial, se garante uma proteção perfeita, uma clareira total para o local de lançamento. Da mesma maneira, o bom jardineiro sabe que se a árvore deve crescer alta e forte, ele deve limpar sua base das ervas daninhas que parasitam suas raízes, livrar seu tronco do aperto de plantas parasitárias, e também podar os galhos pendentes e prolixos.

Do Crepúsculo ao Amanhecer

Este séclo será o do renascimento metamórfico da Europa, como a Fênix, ou de seu desaparecimento enquanto civilização histórica e sua transformação em uma estéril e cosmopolita Luna Park, enquanto os outros povos preservarão suas identidades e desenvolverão seu poder. A Europa é ameaçada por dois vírus relacionados: o do esquecimento de si mesmo, da dessecação interior, e o da excessiva "abertura ao outro". No século XXI, a Europa, para sobreviver, terá que se reagrupar, i.e., retornar a sua memória, e perseguir suas aspirações faustianas e prometeicas. Essa é a demanda da coincidentia oppositorum, a convergência de opostos, ou a necessidade dupla de memória e vontade de poder, contemplação e criação inovadora, enraizamento e transcendência. Heidegger e Nietzsche.

O início do século XXI será a meia-noite desesperadora do mundo sobre a qual Hölderlin falou. Mas é sempre mais escuro antes do amanhecer. Sabe-se que o sol retornará, sol invictus. Após o crepúsculo dos deuses: o amanhecer dos deuses. Nossos inimigos sempre acreditaram no Grande Entardecer, e seus estandartes portam as estrelas da noite. Nossas bandeiras, ao contrário, são brasonadas com a estrela do Grande Amanhecer, com raios fulgurantes; com a roda, a flor do sol ao Meio-Dia.

Grandes civilizações podem passar da escuridão do declínio para o renascimento: Islã e China provam isso. Os EUA não são uma civilização, mas uma sociedade, a materialização global da sociedade burguesa, um cometa, com um poder tão insolente quanto transitório. Eles não tem raízes. Eles não são competição verdadeira no palco da história, apenas um parasita.

O tempo de conquista acabou. Agora é o tempo de reconquista, interior e exterior: a reapropriação de nossa memória e nosso espaço: e que espaço! 14 zonas horárias sobre as quais o sol nunca se põe. De Brest aos Estreitos de Bering, é verdadeiramente o Império do Sol, o próprio espaço do nascimento e expansão do povo indo-europeu. Para o sudeste estão nossos primos indianos. Para o leste está a grande civilização chinesa, que pode decidir ser nossa inimiga ou nossa aliada. Para o oeste, do outro lado do oceano: América, cujo desejo sempre será o de impedir a união continental. Mas ela sempre será capaz de impedi-la?

E então, para o sul: a principal ameaça, ressurgindo das profundezas das eras, aquela com a qual não podemos nos comprometer.

Lenhadores tentam cortar a Árvore, entre eles muitos traidores e colaboracionistas. Defendamos nossa terra, preservemos nosso povo. A contagem regressiva começou. Temos tempo, mas pouco.

E então, mesmo que eles cortem o tronco ou a tempestade o derrube, as raízes permanecerão, sempre férteis. Só uma brasa já basta para reacender um fogo.

Obviamente, eles podem cortar a Árvore e desmembrar seu corpo, em uma canção crepuscular, e europeus anestesiados podem não sentir a dor. Mas a terra é fértil, e apenas uma semente já basta para começar a crescer novamente. No século XXI, preparemos nossos filhos para a guerra. Eduquemos nossa juventude, mesmo que seja uma minoria, como uma nova aristocracia.

Hoje precisamos de mais do que moralidade. Precisamos de hipermoralidade, i.e., da ética nietzscheana dos tempos difíceis. Quando se defende o próprio povo, i.e., os próprios filhos, defende-se o essencial. Aí então se segue a regra de Agamêmnon e Leônidas, mas também de Charles Martel: o que prevalece é a lei da espada, cujo bronze ou aço reflete o brilho do sol. A árvore, o foguete, a espada: três símbolos verticais lançados do chão aos céus, da Terra ao Sol, animados por seiva, fogo e sangue.

Os Homens Herbívoros do Japão: São realmente um problema?

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por Otakismo



"Se no Século XIX os Samurais largaram as armas - forçados - os japoneses de hoje largaram o pênis: voluntariamente."

Essa genial frase de tom fálico inicialmente publicada no site reflexoesmasculinasé uma síntese inteligente - melhor do que eu seria capaz de elaborar - sobre um dos últimos fenômenos sociais que ganhou expressão na mídia japonesa e se espraiou nesse lado do mundo de modo distorcido, como não poderia deixar de ser, pelo sensacionalismo da mídia ocidental. Trata-se dos homens herbívoros. Quem não está antenado na trágica situação do Japão e assiste a uma matéria de cinco minutos no Jornal da Globo falando que japoneses não querem mais sexo, já conclui: "Ah, os japoneses são bizarros". Não satisfeito com o senso comum, fui pesquisar e descobrir que o comportamento dos herbívoros é sim bastante excêntrico, porém vou mostrar como ele é de certa forma justificável (fora da lógica de chegar sempre na conclusão de que japoneses são malucos, então pode se esperar de tudo) e indica caminhos até então inéditos para a ainda muito tradicional sociedade nipônica.

Os homens japoneses estão apresentando traços comportamentais que em qualquer outro tempo seria o suficiente para taxá-los como afeminados ou mesmo homossexuais. Justamente eles, que marcaram em pedra o arquétipo do macho rude e viril. Desde os tempos dos leais samurais, passando pelas atrocidades sanguinárias do Exército Imperial nas Guerras Mundiais, até chegar no executivo workaholic que agredia sexualmente as parceiras de trabalho quando as mulheres ainda engatinhavam com o movimento feminista no arquipélago. Esses caras foram sucedidos por homens impactados pela estagnação econômica que paira sobre o Japão desde o início dos anos 90, que reagem à crise com um comportamento diametralmente oposto em relação ao estereótipo do macho japonês.

Falo dos Soushoku Danshi (literalmente "garotos come-grama"), termo adaptado como homens herbívoros, cunhando em 2006 pela colunista Maki Fukasawa e popularizado pelo livro "The Herbivorous Ladylike Men Are Changing Japan" (Os homens herbívoros e afeminados que estão mudando o Japão) de Megumi Ushikubo, presidente da consultoria de marketing Infinity. Esses homens são assim chamados pela sua falta de interesse por sexo (não come carne, daí o herbívoro) e pela negação da vida estonteantemente competitiva e acelerada de tempos passados. Algumas de suas características principais seriam:

Não têm uma postura tão competitiva em relação ao trabalho como os homens de gerações anteriores; Têm consciência de moda e comem de modo balanceado para ficar magros e caber em roupas mais apertadas; Tem amigas mulheres, são ligados às mães e vão às compras junto com elas (se aproveitando do poderio econômico dos pais); Não se interessam em namoros, garotas ou mesmo fazer sexo (optando por um prazer solitário com brinquedos eróticos); São muito econômicos e adoram cupons de promoção, declarando que os que não poupam os centavos são estúpidos. Seus principais interesses passam a flutuar temas como fotografia, gastronomia, jardinagem, moda, desenho e coisas do gênero. Abrem mão de tudo o que possa custar um desgaste físico e/ou psicológico por essas pequenas particularidades inofensivas.

“Os homens japoneses na faixa dos vinte aos trinta e poucos anos parecem desinteressados em fazer carreira e apáticos com os rituais do encontro amoroso, sexo e casamento. Eles gastam a maior parte em roupas e cosméticos como as mulheres, vivem com suas mães e sentam na privada para urinar. Alguns estão até mesmo usando sutiã. O que está acontecendo com a masculinidade do país?” (Takuro Korinaga, economista)

Curiosamente a agitação crítica em cima da percepção inicial de uma anormalidade no comportamento masculino não surgiu das ciências sociais, mas sim do mercado. Nas palavras da marketeira Megumi Ushikubo:

“Nos anos 80 os rapazes tinham que comprar um carro, caso contrário as garotas não olhariam para eles. Nós éramos líderes em consumo. Recentemente as empresas estão perguntando, por que os garotos não estão mais interessados em carros? E por que as garotas estão nos dizendo que elas não estão interessadas em rapazes que gastam seu dinheiro com carros?”

Uma companhia de consultoria subsidiária da Dentsu (a maior companhia publicitária do país) chamada Media Shakers estimou dados alarmantes: 60% dos homens de 20 anos, e 42% dos homens entre 23 e 34 anos consideram-se herbívoros. Dados de diversas fontes afirmam o dito. A empresa de relacionamentos Partner Agent mostra uma pesquisa onde 61% dos homens solteiros na casa dos 30 anos se auto-intitulam herbívoros. Um empresa de apólices de seguro chamada Lifenet fez uma pesquisa online com uma amostragem de mil homens solteiros na faixa dos 20 e 30 anos, e aqui também, 75% da amostra se definiu como um homem herbívoro.

A reportagem feita pelo Jornal da Globo afirma:

"Entre os jovens de 16 a 19 anos, 36% dos rapazes se descreveram indiferentes ou com aversão a sexo. Mas eles também podem reclamar delas. Entre as japonesas da mesma faixa etária, o desinteresse ou aversão ao sexo chega a 59%. O percentual cresceu em relação a mesma pesquisa feita em 2008: aumentou 19% entre os homens e 12% entre as mulheres."


Homem herbívoro.
Em tempos de metrossexuais e David Beckham, por que tanto alarde com os comedores de grama? A resposta é simples. Esse comportamento não é apenas uma afronta às tradições do homem japonês, mas também um fato determinante que está ajudando a manter o Japão na crise, sem oferecer a mínima perspectiva de mudança, uma vez que ele sangra dois problemas cruciais para o futuro do Japão: A baixa natalidade e o esfriamento da demanda interna no mercado de consumo japonês. Os herbívoros seriam o resultado, o protesto (sempre silencioso dos jovens japoneses) contra os valores que alimentaram o crescimento japonês no pós-guerra, como a exacerbação do materialismo e a competitividade desumana. Como gatos escaldados, eles negam aquilo que os alçaram ao topo do mundo.

Essa apatia demonstrada por parte dos homens japoneses já está incomodando a ala feminina do país. Diante de homens que não tomam a iniciativa (por medo de sofrer a ferida narcísica da rejeição), não demonstram interesse por sexo e racham a conta do restaurante, parte das mulheres estão fazendo elas próprias esse papel. Tomam elas mesmas a iniciativa e, apelidadas de mulheres carnívoras, passam a praticar a arte do konkatsu, a busca por um parceiro (20% delas se consideram carnívoras, mas ainda sim essa voracidade não pode ser comparada com os tempos da bolha econômica). Apesar disso, as carnívoras costumam renegar os herbívoros, pois gostam do perfil do macho.

John Greenaway, professor canadense com muito contato com alunos asiáticos, estudante de inglês no país, afirma que as japonesas são muito mais sociáveis, práticas e ativas que os homens do país. Os homens japoneses, mesmo quando herbívoros, se aproveitam das condições no Japão que ainda favorecem o homem, e se mantém passivos, enquanto as mulheres que vão em busca de algo, o fazem de modo mais proativo. A diferença é que no exterior essa proatividade é facilmente igualada, quando não superada, por pessoas de diversas etnias e elas passam uma imagem até conservadora.

Shigeru Sakai do Media Shakers opina que esses homens não tomam a iniciativa por uma dificuldade de auto-expressão. Cercados de eletrônicos, geralmente sem nenhum irmão em casa, e falando com os amigos mais por mensagens de texto e redes sociais, suas habilidades sociais tendem a definhar. Mimados desde o berço, não toleram a frustração e não dão a cara ao tapa na arte da conquista.

“Eu não tomo a iniciativa com mulheres, eu não falo com elas. Eu adoraria se uma garota falasse comigo, mas eu nunca tomo o primeiro passo.” (Yukihiro Yoshida, estudante de Economia)

Men's Fudge, a revista dos herbívoros

É importante ouvir as opiniões dos próprios herbívoros, e o grupo olha para a questão através de outras lentes. Eles não enxergam a situação como um problema (ao contrário de empresas, governo e mulheres). Herbívoro seria um rótulo muito amplo, que abarca uma diversidade de homens e comportamentos diferentes. Seria a soma dos homens que não estão mais dispostos a bancar o preço de viver a imagem do homem feliz empregado numa grande empresa. São pessoas que ligam menos para as cobranças da sociedade, para os papéis sociais, para o arquétipo da masculinidade japonesa. Eles ditam os caminhos de suas próprias vidas.

“As pessoas que cresceram na era da bolha realmente sentiram que eles foram derrubados.Eles trabalharam tão duro e isso tudo não deu em nada. Então os homens que vieram depois deles mudaram.” - Megumi Ushikubo

Há uma crítica tanto ao padrão do homem japonês quanto à monetarização do amor ao modo ocidental (mencionado na explicação do fenômeno moe), que exigem um homem másculo que trabalha como um burro de carga para conquistar a fêmea com mimos caros. Os japoneses tiveram que se adaptar tantos às rígidas posturas sociais da sociedade nipônica quanto aos hábitos ocidentais importados pela ficção, como abrir a porta do carro ou puxar a cadeira para a mulher se sentar primeiro. A mistura dessas culturas, alimentada por uma rede comercial voraz, é insustentável para muitos dos japoneses que se resignam e vão buscar relacionamentos na internet, nos mangás, nos RPG's virtuais (ou em casos mais extremos, se casando com um travesseiro).

Existem uma série de fatores que são levantados por toda uma espécie de pensadores, mas o foco acaba sempre desaguando na situação econômica do país, resultando numa cultura que adoece pouco a pouco. Vou apresentar algumas visões para depois focar, de fato, na parte financeira que parece oferecer uma justificativa mais plausível.

Uma ala sempre presente no pensamento japonês é a defensora dos fenômenos sociais do país como consequência de suas próprias raízes, diminuindo a importância da ocidentalização em sua gênese, encontrando paralelos culturais no Japão pré-Restauração Meiji. É o caso do professor de Filosofia da Universidade de Osaka Masahiro Morioka ao afirmar que esse padrão andrógino também era comum durante os pacíficos anos da Era de domínio do clã Tokugawa (1603-1868), onde o Japão conheceu inéditos 260 anos de absoluta paz interna. Nesse período foi comum meninos serem criados como meninas, usando vestimentas femininas (acreditava-se que era um meio saudável de desenvolvimento); haviam os onnagata no teatro Kabuki (homens interpretando papéis femininos) e o shunga (pornografia do período Edo onde homens e mulheres só se distinguiam pelos genitais, pois os homens também vestiam roupas femininas, penteando os cabelos como elas). A erosão dos papéis sociais não seria, então, um fenômeno novo no Japão.

Morioka continua argumentando que esse novo ciclo herbívoro seria uma maior aceitação das fraquezas e limitações masculinas, uma vez que ser homem no Japão é uma árdua tarefa inimaginável no Brasil, essa terra do improviso, do jeitinho e do imediatismo. As pressões sociais em cima do homem japonês são demasiadamente pesadas. Ele prossegue com uma afirmação muito interessante: Não são os herbívoros que estão pervertendo o "espírito japonês", ao contrário, eles seriam os responsáveis pela regressão a um estado humano mais nipônico. Distorcidos foram os seus pais e avós que aceleraram as coisas no Pós-guerra - através de métodos absolutamente ocidentais - como um modo de afirmação perante os estrangeiros enquanto buscavam o mesmo padrão de vida dos americanos. Passado o limite do crescimento econômico do país, o retorno às raízes seria inevitável.

“Antigamente, os homens japoneses tinham que ser passionais e agressivos, mas agora essas característica são desagradáveis. Nossos membros tem uma personalidade muito branda. Eles simplesmente aproveitam do que gostam sem preconceitos, eles não são limitados por expectativas.” Yasuhito Sekine

Propaganda da Nivea com foco nos homens, em transporte japonês
Outro ponto que destaco é o excesso de paz. Com a submissão das forças armadas japonesas ao Exército Americano que limita as ações militares do país, e com as políticas de segurança interna, a afirmação da masculinidade se torna supérflua quando o assunto é segurança física. Não há mais a necessidade do macho agir como um soldado no campo de batalha, ainda nas palavras de Morioka. A quantidade de assassinatos per capita cometida por jovens adultos no Japão é a mais baixa do mundo! “Além disso, os valores da sociedade que fazia homens cometerem atos violentos estão desaparecendo. Os homens não precisam mais ser violentos, é por isso que podem ser herbívoros”. Se os EUA vive achando alguma guerrinha por aí e tem seu país recheado com veteranos de guerra de todas as idades; se na Coréia do Sul o alistamento militar é assunto estratégico pelo conflito com os norte coreanos; no Japão a afirmação da masculinidade - no que tange a sobrevivência literal - se torna cada dia mais inútil.

O último assunto levantado pelo filósofo que eu sinto necessidade de citar é a distinção entre ser herbívoro e ser gay. Claro que há gays entre os herbívoros e eles se expressam desse modo. É verdade que a Wishroom já vendeu milhares de sutiãs masculinos, mas certamente uma ampla parcela dos compradores são homossexuais que também se definem como herbívoros, e também não quer dizer que eles saem por aí todos os dias usando sutiã, talvez em um ou outro caso. A mídia dá foco em peculiaridades sem importância, não mostra as origens da situação e ainda cria uma imagem fantasiosa e ridícula de uma nação (o mesmo para a mídia japonesa, que adora um sensacionalismo para dizer o quanto o país está perdido). Herbívoro não é gay, o buraco é mais embaixo, como Morioka diz, os herbívoros procuram o “amor hetero enquanto tornam-se unisex”.

Algumas explicações, de origens feministas, afirmam que a situação seria o desabrochar de uma nova masculinidade, que não precisa mais reprimir seu lado feminino para agradar às convenções sociais.

“Não é que os homens estão se tornando mais femininos, o conceito de masculinidade que está mudando.” Katuhiko Kokobun

Homem herbívoro.

Por outro lado, muitos defendem que esse florescimento do lado feminino dos homens ou retorno às origens é pura balela feminista ou ufanista, o problema seria de origem econômica mesmo, pois a geração mais bem instruída da história do Japão não está encontrando perspectivas de futuro nem segurança de emprego. Com muitos homens ganhando menos de dois mil dólares mensais na cidade com o mais alto custo de vida do planeta, tendo acesso à tecnologia e tendo que conviver com a ala feminina que no Japão é abertamente materialista e gananciosa, muitos homens passaram a dar a mínima para o que a sociedade espera deles, pois se resignaram em sua condição miserável.

A questão é que eles não são assexuados, apenas não estão mais dispostos a pagar o preço para ter acesso a uma mulher que valha a pena. Eles simplesmente não querem mais morrer de trabalhar para comer alguém. O interesse por sexo indubitavelmente continua, basta ver a saúde do mercado pornográfico japonês. A queda na venda de preservativos que persiste desde 1999, ano onde se deu o boom da internet no arquipélago, é sinal correlato de virtualização da sexualidade, não de sua extinção.

Candidatos japoneses

O problema é falta de segurança financeira. No período do crescimento, as empresas japonesas ofereciam polpudos salários e um plano de carreira para toda a vida, com reais chances de crescimento dentro da hierarquia corporativa. Era muito mais seguro alimentar o ímpeto consumista das mulheres sabendo que o pagamento seguramente cairá na conta todos os meses. E não venham me chamar de machista, porque o enjo kosaidos anos 90 está ai para provar que muitas japonesas estavam dispostas até a se prostituir por seus desejos materialistas quando a fonte secou. Nos tempos áureos da economia, o emprego funcionava na base do seishain (emprego permanente), mas agora com a crise, mesmo a mão de obra qualificada do país está sendo contratada na base do haken (contrato). A segurança financeira foi parar na mesma lama na qual a economia do país se atolou. Essa situação incomoda muitos os jovens trabalhadores japoneses, os quais, segundo pesquisa da Mitsubishi, 64% deles gostariam de permanecer no mesmo emprego de modo estável.

Não está sendo viável, para a maioria deles, sustentar a utopia da vida feliz, aquele modelo do American Way, do pai de família casado e empregado numa instituição de renome. Está cada vez mais difícil sustentar a condição de macho alfa, rico, bonito, com status e bom de cama, num país em crise onde todos os outros homens tem a mesma educação básica e origem étnica semelhante (dificuldade de achar um diferencial para se destacar). São pessoas que assumem sua incapacidade de competir. Os riscos de tantos esforços são grandes demais, sem oferecer garantias de retorno no futuro.


Menos de 10 mil dólares mensais? ha ha

As mulheres, com as mesmas oportunidades trabalhistas garantidas pela legislação, não se vêem mais na obrigação de casar para garantir seu sustento e saciar seus desejos de consumo, logo, ficam mais exigentes quando o assunto é casamento. Ao mesmo tempo em que os homens estão achando cada vez mais dificuldades para encontrar um bom salário num emprego estável. A pobreza no Japão está crescendo e o país já é dono do segundo pior índice de pobreza relativa, superado apenas pelos americanos (segundo relatório da Organisation for Economic Co-operation and Development). Sentiu o drama?

Essa mulheres, ainda querendo o nível de vida dos tempos de bonança e com iguais oportunidades de trabalho (ao menos na teoria) que as fazem fugir do matrimônio, estão ajudando a criar um sério problema. Uma geração inteira de solteironas que chegarão sozinhas na velhice (um sério problema social no Japão, onde alguns idosos morrem e ficam 15 anos em decomposição na casa sem que ninguém perceba) e um monte de homens de meia-idade que ainda não perderam a virgindade (25% dos japoneses na faixa dos 30 anos seguem virgens). Eles tampouco vão fazer esse serviço em inferninhos, alguns deles porque estão condenando justamente a monetarização dos relacionamentos, a maioria porque não tem dinheiro mesmo. Os prostíbulos japoneses são caros e frequentemente cobram mensalidade de seus frequentadores. Enquanto os que tem dinheiro para bancar a farra também não procuram o serviço, alegando estarem fisicamente exaustos demais, por causa do trabalho, para mesmo pensar no assunto.

Quer? Pague o preço,...
O economista Takashi Kadokura cruzou diversas informações e traçou conclusões perigosas. 30% das mulheres afirmaram se recusar a sair com homens que ganham menos de 10 mil reais mensais. Quase metade da totalidade delas se recusariam a casar com alguém com rendimentos anuais inferiores a 80 mil reais. O problema é que apenas 1,5 milhões de japoneses na faixa etária dos herbívoros possuem rendimentos nessas especificações, enquanto existe um volume três vezes maior de mulheres esperando, no mínimo, mais do que isso. Conclusão, pelo menos 2/3 delas continuarão sozinhas se não diminuírem suas expectativas e exigências, fortemente enraizadas por questões culturais e pela libertação proporcionada pelo movimento feminista. Além disso, a baixa natalidade do povo japonês cobra de toda mulher casada no mínimo um rebento, uma pressão inaceitável para muitas mulheres, até pelos prejuízos na construção de uma carreira sólida numa economia em frangalhos.

Os resultados já são estatisticamente verificáveis. Entre 1975 e 2005 o nível de homens solteiros na faixa dos 30 anos subiu de 14% para 47% enquanto nas mulheres de 8% para 32%. Se o comportamento não mudar, o governo precisará intervir para evitar um colapso. As soluções seriam tentar oferecer salários mais equitativos e diminuir a jornada de trabalho que, exasperante, prejudica a interação social. Mas, como propor diminuição da jornada de trabalho se o país já está economicamente em situação trágica?

As empresas japonesas estão preocupadas pois o padrão de consumo dessa geração não acompanha os desejos das gerações passadas. Caem as vendas, sobretudo dos produtos de luxo e status, como carros e bebidas. O Japão perde expressão mundial a cada dia, já que o mercado externo se torna cada dia mais hostil (crise na zona do euro e na economia americana, além da concorrência dos coreanos e chineses em ascensão) e o mercado interno se recusa a consumir (tanto por ter menos dinheiro para gastar como por recusa aos tempos de consumismo desenfreado). O governo, então, está desesperado porque isso alimenta um ciclo vicioso. Sem dinheiro as pessoas casam menos, se casam menos tem menos filhos, se nascem menos crianças, como sustentar a idosa população japonesa, a mais longeva do planeta? (isso só está sendo lindo para o setor de cosméticos, que dobrou seu mercado potencial com a adesão masculina em massa ao cuidado pessoal).

Além disso, As escolas japonesas que moldaram tantos funcionários competentes hoje são uma barreira para a criatividade, individualismo e empreendedorismo que poderiam ajudar o país nesse momento.

Quem vai pagar as contas? Ninguém sabe...

Esse cenário desesperador afetou a mentalidade dos jovens. Sem estabilidade financeira, sem conseguir mulher, vendo o Japão na beira do precipício, eles se resignaram. Os herbívoros são a expressão maior da desilusão. São homens menos ambiciosos, incapazes de devolver o Japão ao lugar que lhe coube no passado. Não querem trabalhar até a morte como seus pais (ao ver que o projeto fracassou e ao sentir a ausência deles em sua função paterna), nem sustentar mulheres que depois de casadas racionam sexo mas não param de gastar (Japão sempre liderando a lista mundial dos insatisfeitos sexuais e lanterna na lista de frequência do ato).

São jovens que simplesmente abrem mão voluntariamente da riqueza para não precisar se prender à burocracia e ao sofrimento silencioso dentro de uma empresa. São jovens que já não enxergam mais nexo em ficar exibindo aos demais o quanto eles se esforçam, o quão samurais corporativos eles são, bastando fazer as coisas direito. Há uma negação da veneração dos padrões tradicionais do sucesso. Os herbívoros se recusam a colocar o trabalho na frente de suas próprias vidas, ignorando, por exemplo, as saídas para beber após o expediente, ato essencial para fazer seu nome no mundo corporativo japonês. Eles preferem pagar o preço de não lamber as bolas do chefe. São eles os primeiros responsáveis por mesclar cultura ocidental com os preceitos confucionistas. Essa situação foi permitida pelos pais dos herbívoros que, sabendo da vida dura que levavam, encorajaram os filhos a escolher sua própria profissão, permitindo aos jovens deliberar sobre suas próprias existências. O resultado foi esse.

“Tudo o que queremos sentir é que nosso trabalho tenha um propósito. (...) Fazer um grande esforço para ser algo que eu não sou apenas não é para mim. Eu quero ser natural, apenas ser eu mesmo.” Takeuchi


Quero deixar claro que as reivindicações dos herbívoros não são apenas fruto de mimos em demasia, algumas são bem legítimas. Um exemplo tolo. Gostar de comer sobremesa. Sobremesa era coisa de mulher no Japão. Se um homem comprar um pedaço de bolo, o atendente fornece dois garfos pois infere que ele só está comprando para comer junto com a namorada, pois homem não compra bolo. O homem japonês tinha que gostar de bebidas e comidas apimentadas. Hoje eles comem bolo. São fracos por isso?!? Por assumir que gostam de doces? Estão afirmando-se assertivamente do jeito que a sociedade rígida permite. É uma revolução interna e silenciosa que estava sendo esperada no Japão há tempos. O conservadorismo está sendo minado pouco a pouco em suas estruturas. O Partido Liberal Democrata em 2009 teve sua soberania política abalada após mais de 5 décadas de poder ininterrupto, cedendo espaço para um partido de centro-esquerda.

Igualmente o interesse pela moda não tem tanto a ver com frescura, mas como resultado da desilusão com o mundo, com a política, com a economia e com os rumos do país. Na desesperança com o macro, os herbívoros se refugiam no micro, naquilo que conseguem alterar com pequenas ações, sua própria existência. A postura, ao contrário do que aparenta, não é simplesmente hedonista, ela é revestida por uma casca traumatizada.

Enxergo um paralelo entre a realidade japonesa e aquilo que o antropólogo americano Cristopher Lasch enxergou na sociedade ocidental (da qual o Japão faz parte, no caso) ao definir o conceito de Cultura do Narcisismo. Quando as ilusões levantadas pela contracultura nos anos 60 morreram (de transformar o mundo com ações e engajamento político), e o mundo percebeu que os valores modernos não deram conta de resolver os problemas globais, as pessoas experimentaram um enorme sabor de impotência e desencanaram, cuidando de suas próprias vidas, afinal, era a única coisa que lhes restavam (daí os anos 70 e 80 como expressão do supérfluo). Acompanhe o raciocínio e veja se não encaixa perfeitamente:

“Após a ebulição política dos anos sessenta, os americanos recuaram para preocupações puramente pessoais. Desesperançados de incrementar suas vidas com o que interessa, as pessoas convenceram-se de que o importante é o auto-crescimento psíquico: entrar em contato com seus sentimentos, comer alimentos saudáveis (...) aprender a se “relacionar”, superar o “medo do prazer”.

"A inflação corrói os investimentos e as poupanças. À medida que o futuro se torna ameaçador e incerto, só os tolos deixam para o dia seguinte o prazer que podem ter hoje (...) A auto-preservação substituiu o auto-crescimento como o objetivo da existência (...) Esperam não tanto prosperar, mas simplesmente sobreviver, embora a própria sobrevivência necessitada vez mais de ganhos maiores.”

Outros pensadores da modernidade, podem contribuir ainda na mesma linha de pensamento, como Jurandir Freire Costa (válido ressaltar que eles não são pensadores do Japão, o país apresenta suas particularidades): 

"O indivíduo moderno é um indivíduo violentado, antes de ser narcisista.”

Portanto, os herbívoros seriam mesmo um problema? Esse comportamento, a alegação de não ligar para o que os outros pensam, seria uma evasiva para justificar a incapacidade de competir pelos melhores postos ou seria uma reação saudável aos excessos do Japão? É natural que o Yamato trate o problema como uma doença social, pois isso afeta a economia e o futuro do país, mas, até que ponto a economia deve guiar cegamente os rumos da nação? Devemos condenar pessoas que buscam seu modo próprio de viver a vida, uma vez que a manutenção da condição de potência mundial do Japão é notoriamente insustentável? Se a reação é excessiva no sentido oposto, não seria um sinal de que a exposição ao trauma foi forte demais, deixando claro que um retorno ao antigo caminho não é a resposta para essas questões? Isso só os japoneses nos responderão no decorrer da História.

Me questiono se, no longo prazo, a situação é realmente tão ruim para as mulheres. Isso pode variar de acordo com o que elas esperam do relacionamento. Antes o homem japonês era o provedor carnívoro, ele trazia muito dinheiro para a casa, mas ficava o tempo todo fora de casa, fazendo hora-extra ou bebendo com os companheiros de trabalho. A família era afetivamente negligenciada (e os herbívoros são filhos desses pais nada presentes). Os herbívoros tem menos dinheiro, mas procuram tratar esposa e família de modo mais humano e presente. Se ela espera um pai de família que banque seus prazeres ao mesmo tempo que a deixe livre para dar seus pulos por aí, é um desastre. Se elas esperam uma adesão do homem ao papel moderno do pai (que progressivamente perde a expressão no ocidente), no longo prazo os resultados poderão ser positivos.

“Os homens japoneses eram machos e sexistas. E negligenciavam suas esposas, então é bom que eles estejam descobrindo seu lado feminino e aprendendo a colaborar.” (Yuko Kawanishi, sociólogo)

Homem herbívoro

Apenas para situar os navegantes, os herbívoros nada tem a ver com os otaku, apesar de serem ambos faces do mesmo dado (nem falo moeda porque há outros aspectos problemáticos). Ao contrário do otaku que foge da sociedade, mas permanece fazendo parte dela com sua voracidade consumista, o come-planta permanece ligado à sociedade mas privilegia o espiritual em relação ao material, uma postura budista, que faz parte da amálgama cultural japonesa (argumento que joga ao lado do filósofo Morioka).

O medo dos países vizinhos é que o Japão exporte esse comportamento através do gigantismo de sua cultura pop. Obras sobre o assunto já foram traduzidas no leste e sudoeste asiático, inclusive em regiões com o mesmo problema de natalidade, como Taiwan, onde a taxa fica abaixo de 1 (Japão tem 1,3 e já é muito baixo), um dos menores índices da história da humanidade. O mangá Otomen (trocadilho entre otome - menina sonhadora - e men, para simbolizar o personagem herbívoro) já foi licenciado até no Brasil pela Panini. 

Apenas quero deixar claro que o tom do post pode ter soado machista em alguns pontos. Seria natural, pois eu estou falando sobre a visão de mundo desses homens, correspondendo ela com a verdade ou não. Finalizo o post com a citação que eu li hoje por acaso na Folha, numa coluna sobre os pontos positivos do ócio, que cabe muito bem aqui, pois não me espantaria se saísse da boca de um herbívoro. Com a palavra, Karl Kraus:

"Se o lugar aonde quero chegar só puder ser alcançado subindo uma escada, eu me recusarei a fazê-lo. Porque lá aonde eu quero realmente ir, na realidade já devo estar nele. Aquilo que devo alcançar servindo-me de uma escada não me interessa"

Elizabeth Whitcombe - Adorno como Crítico: Celebrando a Força Socialmente Destrutiva da Música

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por Elizabeth Whitcombe



A Escola de Frankfurt foi um grupo de intelectuais predominantemente judaicos associados com o Instituto para Pesquisa Social. Ela se originou durante o período de Weimar na Alemanha, e se tornou um bastião da esquerda cultural. Com a ascensão do nacional-socialismo, a Escola de Frankfurt foi fechada pelo governo alemão, e muitos de seus membros emigraram para a América.

Theodor Adorno era o crítico musical (bem como primeiro autor do A Personalidade Autoritária, provavelmente a obra mais famosa da Escola de Frankfurt) da Escola de Frankfurt. Ele olhava para a música como um engenheiro musical olha para música. Mas o mais importante é que Adorno usava psicologia musical como ferramenta revolucionária.

Adorno compreendeu que qualidades tornam a música intelectualmente desafiadora e que qualidades tornam a música "popular" ou não-intelectual. Ele afirmava que música intelectual era mais adequada para fomentar revolução. Por que? Porque ele acreditava que a revolução começaria a partir da camada elitizada da sociedade e desceria até as massas, que ela seria um evento de cima para baixo. Como resultado, ele pensava ser importante que o mundo elitista da música clássica voltasse as costas para a alta cultura tradicional do Ocidente. (Ele estava errado: como discutido abaixo, o tempo provaria que a música popular tinha potencial revolucionário maior).

As opiniões de Adorno foram moldadas por seus tempos. Nas décadas de 20 e 30 a elite intelectual abraçou sua habilidade de reengendrar a sociedade. Edward Bernays (sobrinho de Sigmund Freud) escreveu sua famosa defesa da manipulação pública, Propaganda, em 1928. Dois anos antes, Charles Diserens aplicou a mesma filosofia à música:

"Nosso propósito, então, é estudar a influência da música sobre o organismo. Nós abordamos a música desde uma perspectiva prática, mais do que estética, considerando-a como uma necessidade, um meio possível de reeducação e reconstrução humana para todos, mais do que mero objeto de prazer improdutivo, ou como objeto de crítica de uns poucos eruditos". (A Influência da Música sobre o Comportamento, Diserens, 1926)

Adorno cernamente compartilhava das intuições de Diserens e Barnays. Ele sentia que a sociedade precisava ser reconstruída e a música era uma maneira excelente de fazê-lo.

O critério de Adorno para julgar música era seu potencial revolucionário. Durante a década de 20, a Escola de Frankfurt aspirava a ser a vanguarda intelectual para o marxismo na Alemanha. Segundo sua teoria, a Primeira Guerra Mundial deveria ter precipitado uma revolução socialista europeia, mas isso não aconteceu. A classe média alemã rejeitou coletivamente o socialismo internacional após a Primeira Guerra Mundial. Este foi um tapa intelectual no rosto de Adorno e seus colegas.

Os frankfurtianos culpavam a cultura ocidental por lavar o cérebro das pessoas contra o seu tipo de socialismo. A cultura ocidental precisava ir embora. A teoria crítica foi a contribuição frankfurtiana na guerra contra a classe média ocidental, e Adorno era seu percussionista.

A estratégia de Adorno usava uma página da República de Platão: Inovações musicais pressagiam inovações culturais. Ele queria encontrar um tipo de música que perturbasse o modo de vida burguês e reformasse o Ocidente à sua imagem. (ver o seu "Por que a Nova Arte é tão Difícil de Compreender?")

Que compositores Adorno considerava suficientemente revolucionários? O Beethoven tardio, Mahler e Schoenberg. Por outro lado, Wagner era simultaneamente amado e odiado.

Adorno gostava de Beethoven porque sua obra tardia rompia com normas musicais, ela evitava a "síntese harmônica" e tinha uma violência destrutiva que obras anteriores não tinham ("Estilo Tardio em Beethoven", 1937). Porém, obras como Missa Solemnis, uma peça coral celebrando Cristo, foram "neutralizadas" pela aceitabilidade social ("Obra-Prima Alienada: A Missa Solemnis", 1959). Essa postura negativa em relação a uma obra religiosa cristã é indubitavelmente um reflexo da hostilidade dos intelectuais frankfurtianos em relação ao cristianismo que eles viam como uma força unificadora conservadora na sociedade.

Segundo Adorno, as últimas obras de Beethoven, que foram compostas após sua surdez, ofereciam vislumbres tentadores de mudanças revolucionárias futuras. Para compreender melhor o que havia de diferente em sua música, vamos nos voltar para outro crítico.

Em O que é Arte?, Leo Tolstói oferece uma avaliação crítica da obra tardia de Beethoven. Segundo Tolstói, as inovações tardias de Beethoven eram alienadores e não mais se comunicavam com o homem comum. Elas eram "totalmente artificiosas, inacabadas e, portanto, quase sem sentido, obras musicalmente incompreensíveis".

Tolstói afirma que a música tardia de Beethoven tipifica a desconexão entre as classes superiores e o povo que trabalhava a terra. (Tenham em mente que Tolstói era russo). Na visão de Tolstói, a obra tardia de Beethoven era uma arte imoral, porque o povo que basicamente pagava por ela (as classes trabalhadoras) não podiam desfrutá-la. Ao cultivar um gosto pelo Beethoven tardio, a aristocracia estava se desconectando das pessoas pequenas. Este tipo de arte causa uma ruptura no tecido social. A boa arte, para Tolstói, sustenta valores cristãos e pode também se comunicar com o povo que se sacrificou por ela. Ela unifica a sociedade de uma forma enobrecedora.

Para a Escola de Frankfurt, a visão da sociedade como um todo harmônico e orgânico com cooperação entre classes sociais federia a nacional-socialismo e, consequentemente, seria o epítome do mal. Não é surpreendente, portanto, que Adorno admire o Beethoven tardio.

Gustav Mahler foi o próximo elo na cadeia revolucionária de Adorno. Um correligionário de Adorno, ele era famoso por usar os sons de chicotes e martelos em sua obra. Adorno diz que nas composições de Mahler "O submundo da música é mobilizado contra o mundo evanescente dos céus estrelados para que este seja movido e se torne presença corpórea entre os homens" ("Mahler Hoje", 1930). Os "céus estrelados" representam o establishment musical vienense ossificado, que Adorno acreditava deveria ser trazido de volta à terra a serviço do ativismo revolucionário.

"A ecclesia militans de Mahler é um exército de salvação, melhor do que o real, não moderado de uma maneira pequeno-burguesa, não retrospectivamente proselitista, mas pronto e desejoso por invocar os oprimidos para a batalha adequada pelas coisas que lhes foram roubadas e que apenas eles são ainda capazes de conquistar" ("Mahler Hoje", 1930). Para Adorno, o "heroi é o desertor" nas sinfonias de Mahler ("Marginalia sobre Mahler", 1936).

Adorno afirmava que o mundo musical burguês estava reprimindo a obra de Mahler porque Mahler desprezava o "pacifismo moderado". Nas palavras de Mahler: "A significância genuína de Mahler que pode ser descoberta para hoje jaz na própria violência com a qual ele irrompeu no mesmo espaço musical que hoje quer esquecê-lo" ("Mahler Hoje", 1930).

Adorno equipara a obra de Mahler e a de Schoenberg, ambos rejeitados pelas forças conservadoras do status quo: "Grupos inteiros de fórmulas são comuns na luta contra Schoenberg e Mahler, o intelectual judeu cujo intelecto desenraizado arruina a tão bondosa Natureza; o espoliador de bens musicals veneravelmente tradicionais". Finalmente, Adorno interpreta Mahler como buscando "o fim da ordem que originou a sonata", o fim da alta cultura tradicional europeia.

Este, é claro, é um estereótipo anti-judaico comum na Europa a partir do século XIX: Fossem ou não convertidos ao cristianismo, intelectuais judeus eram vistos como subversores da cultura europeia, estilhaçando a coesão social da sociedade e zombando e desafiando convenções sociais (ver capítulo 2 de Separação e Seus Descontentes, de Kevin MacDonald, p. 51f). Adorno, ele próprio um intelectual judeu (ainda que longe de ser desenraizado), naturalmente simpatiza com essa postura. De fato, a Escola de Frankfurt é geralmente consideradap arte dessa tradição anti-ocidental, precisamente a razão pela qual a Escola de Frankfurt foi exilada da Alemanha nacional-socialista.

As opiniões de Adorno sobre Richard Wagner são fortemente coloridas pelo fato de que Wagner foi idealizado na Alemanha durante o período nacional-socialista. Para Adorno, Wagner é o compositor de pretensões revolucionárias que tenta e falha. Ao tentar romper com a forma melódica temática, ele simplesmente acaba repetindo fragmentos.

Mas o que realmente incomodava Adorno sobre Wagner era a conexão com o nacional-socialismo. Ainda que Wagner estivesse morto antes de Hitler ser concebido, Adorno pensava que não se poderia ter Wagner sem nacional-socialismo. Em toda multidão aplaudindo uma obra wagneriana espreita o "velho ódio virulento" que Adorno chama de "demagogia" ("A Relevância de Wagner para Hoje", 1963).

Adorno acreditava que a obra de Wagner é "proselitista" e "narcisista-coletivista", termos claramente pejorativos. A reclamação de Adorno sobre a qualidade "narcisista-coletivista" da música de Wagner, na verdade, é uma reclamação de que a música de Wagner apela a emoções profundas de coesão grupal. Como os mitos germânicos nos quais sua música era usualmente baseada, a música de Wagner evoca as paixões mais profundas de coletivismo étnico e orgulho étnico. Na opinião de Adorno, tais emoções não são nada além de narcisismo coletivo, pelo menos parcialmente porque um senso forte de orgulho étnico alemão tende a ver judeus como forasteiros, como "o outro".

Não é surpreendente que Wagner fosse de longe o compositor mais popular durante o período nacional-socialista. Também não é surpreendente que Adorno, como intelectual judeu consciente, achasse este tipo de música abominável. Ficamos a imaginar se ele consideraria de forma similar o hino nacional israelense como expressão de narcisismo coletivo.

Adorno jamais conseguiu lidar com a grandeza de Wagner. Ele considerava a música de Wagner eroticamente livre, então ele imaginava que devia haver alguma coisa de "direitista, pequeno-burguesa" em se opor a ele. Na era da psicanálise, nenhum intelectual judeu iria querer parecer anti-erótico. A solução de Adorno era afirmar que as maiores obras de Wagner eram aqueles das quais o público não gostava ("A Relevância de Wagner para Hoje", 1963). Essa era claramente uma tentativa de fazer o bolo e comê-lo também: Se o público era profundamente comovido por Wagner, era um sinal de que Wagner estava apelando a emoções de coesão étnica. As únicas obras seguras de Wagner eram aqueles que não resultavam nessas emoções.

No final, Adorno pende para o lado de desgostar de Wagner porque sua música reforça o status quo. E, é claro, onde a música de Wagner promove etnonacionalismo, deve haver intervenção.

Arnold Schoenberg, cujo "intelectualismo é lendário" era o compositor revolucionário ideal para Adorno ("Rumo a um Entendimento de Schoenberg", 1955/1967). Adorno classifica Schoenberg com Shakespeare e Michelangelo: Ele é um deus no mundo da arte. Schoenberg tinha uma forte identidade judaica e era sionista (Klara Moricz, Identidades Judaicas: Nacionalismo, Racismo e Utopismo na Música do Século XX).

Schoenberg escrevia música atonal, significando que ela era projetada para desafiar formas músicais e expectativas heurísticas tradicionais. É necessário uma pessoa musicalmente treinada para apreciar quão bem projetada a discórdia é; mas mesmo para músicos ouvir Schoenberg é difícil. A música de Schoenberg é uma curiosidade para compositores; tal como um órgão com uma doença incomum em um vidro de formol é uma curiosidade para professores de medicina. Como resultado, a música de Schoenberg jamais foi popular e Adorno se ressentia com isso.

A música que se coaduna com nossas expectativas auditivas tende a ser aprazível. Adorno reconhecia que a música bela possui um efeito pacificador e a pacificação estava em contradição com seus objetivos políticos, pelo menos os objetivos que ele mantinha na Alemanha do pré-guerra. É por isso que Adorno tinha coisas tão boas a dizer sobre Schoenberg.

A característica comum que estes quatro compositores compartilhavam é que eles escreviam música que desafiava as expectativas da audiência em níveis variáveis. Níveis variáveis é a distinção importante aqui.

Algumas das músicas mais belas estão entre aquelas que desafiam nossas expectativas. O prof. David Huron da Universidade Pública de Ohio escreveu um livro fenomenal em 2006 chamado Sweet Anticipation: Music and the Psychology of Expectation (Doce Antecipação: Música e a Psicologia da Expectativa). Huron oferece uma explicação do por que a discórdia resultando em harmonia é bela e nos dá uma sensação prazerosa.

Mas quando a imprevisibilidade é levada longe demais, a música se torna dissonante e feia. Ela deixa o ouvinte insatisfeito e deslocado. Adorno acreditava que estes sentimentos eram necessários para impulsionar as pessoas a pensarem e (naturalmente!) se unirem a sua causa revolucionária.

Adorno aplicou seu desprezo revolucionário pela previsibilidade à tecnologia também. Ele não gostava de rádio e de certas tecnologias de gravação porque ele considerava que elas faziam a música soar mais "achatada", mais similares a pop e jazz ("A Sinfonia de Rádio", 1941). Adorno odiava o jazz das big bands porque ele sentia que ele não era suficientemente destrutiva para a cultura ocidental: Ela satisfazia impulsos eróticos de forma socialmente tolerável. A música verdadeiramente revolucionária não devia desperdiçar energia tal como o jazz o fazia.

Schoenberg, com sua música bizarra e pouco atrativa, deveria iluminar nosso caminho rumo ao futuro. Ele não o fez. Adorno havia confundido intelectualismo com a política da Escola de Frankfurt, os dois não caminhavam junto. Para realmente atingir as massas, o que o movimento frakfurtiano precisava não era de intelectualismo, mas de poder propagandístico. O equívoco inicial de Adorno sobre o que era música revolucionária eficaz seria uma lição útil para outros propagandistas.

Excetuando alguns poucos estetas (tal como pequenos grupúsculos de devotos de Schoenberg), a música revolucionária efetiva trabalha com nossas expectativas de beleza, não contra elas. Melodias revolucionárias efetivas devem ser fáceis de seguir e ter batidas fortes, como a maior parte da música popular. Em seu ensaio, "Sobre a Música Popular", Adorno relata o segredo aberto do que torna uma música um "hit": padronização. O que ele descreve são canções que jogam com nossas expectativas musicais e heurísticas mais básicas, ao mesmo tempo pecando pela simplicidade.

A música é supreprevisível e encoraja a audição irrefletida: "As formas das canções de sucesso são tão estritamente padronizadas, até o número de medidas e duração exata, que nenhuma forma específica aparece em qualquer obra particular". Adorno usa essa frase para descrever o jazz das big bands, mas ele poderia estar também descrevendo a música pop atual: Beatles, Spice Girls, Jackson Five, e por aí vai.

Adorno compreendia como criar música de propaganda ou "música popular" efetivas. Ele sabia isso melhor do que ninguém em sua época, provavelmente. Mas os gostos de Adorno eram elitistas ("Sobre o Caráter Fetichista da Música", 1938). Ele sentiria embaraçado e envergonhado de criar música que ele sentisse ser tão acéfala quanto o jazz das big bands. Adorno queria se enturmar no ar rarefeito dos criadores musicais super-eruditos.

Adorno não gostava da mundaneidade da música pop; ele queria acreditar que sua revolução era, de alguma forma, mais intelectual do que isso. A noção de que as ideias frankfurtianas poderiam ser vendidas por canções pop, o equivalente musical de uma garota em um biquini fazendo propaganda de cerveja ou de um carro esporte, seria repugnante para ele.

Repugnante ou não, propaganda funciona. Compositores como Beethoven e Wagner entendia como brincar com as nossas expectativas auditivas e criar algo significativo ao mesmo tempo. Eles eram autênticos mestres da composição. O valor de choque de Mahler e o intelectualismo forçado de Schoenberg não se comparam, e isso se reflete em sua popularidade relativa hoje.

Adorno jamais superou seu desprezo pela música popular. Ele sempre quis acreditar que, de alguma forma, pessoas revolucionárias superariam suas preferências auditivas evolutivamente determinadas. Mas a Natureza sempre vence ao fim.

E se Adorno quisesse uma revolução frankfurtiana de sucesso ele teria que trabalhar com as ferramentas dadas pela Natureza. É aí que entra a Atlantic Records.

A história da Atlantic Recording Company acompanha de forma estranha a revolução cultural da elite judaico-americana após a Segunda Guerra Mundial. Essa elite promovia as ideias da Escola de Frankfurt em um esforço de enfraquecer a classe média, seu nêmesis político. A Atlantic Records se orgulha em anunciar o mesmo comportamento socialmente destrutivo.

Este artigo explora uma possível ligação entre Theodor Adorno e a Atlantic Records. A ligação: Um professor alemão anônimo ajudou a Atlantic Records a projetar sua sonoridade característica em 1947. Quando este professor não conseguiu mais trabalhar com a Atlantic, ele foi substituído por um pesquisador assistente do Projeto Manhattan. Eu afirmo que este professor era Theodor Adorno.

A importância dessa conexão é que a Atlantic Records foi uma das gravadoras mais influentes durante a revolução sexual, o movimento por direitos civis e a era da reforma da imigração. Uma ligação com Adorno sugeriria que a empresa em suas origens foi pensada para explorar o conhecimento de um dos maiores propagandistas do século XX.

A Escola de Frankfurt

Adorno era o crítico musical da Escola de Frankfurt. Seu forte era analisar o impacto político e psicológico da música sobre seus ouvintes. Ele também estava interessado em como as novas tecnologias de gravação modificavam a experiência musical. É claro, o ponto de todo esse interesse no lado técnico da música era a paixão de Adorno por descobrir como usar a música para atingir os objetivos políticos da Escola de Frankfurt.

Adorno sabia o que tornava a música intelectualmente desafiadora, bem como o que a fazia agradar as massas. Resumidamente, a música opular apela a nossas expectativas sobre que sons devem seguir uns aos outros; a música intelectual desafia essas expectativas.

Em geral, intelectuais de esquerda durante as décadas de 30 e 40 eram hostis à cultura de massa, incluindo todas as formas de música popular. Tantos os intelectuais de Nova Iorque quanto os da Escola de Frankfurt viam a cultura de massas como resultado de uma manipulação elitista, fosse na URSS, na Alemanha nacional-socialista ou nos EUA burgueses. Segundo Adorno, a cultura de massas apelava a prazeres mundanos, insuflava o status quo, e levava a um conformismo generalizado que negava a individualidade e a experiência subjetiva das massas.

Adorno considerava o jazz como uma das piores formas de música popular. Ele achava que o jazz reconciliava impulsos eróticos com a cultura ocidental tradicional: que ela transformava pessoas em insetos.

Ele estava certo e errado ao mesmo tempo. Qualquer música com uma batida forte e constante tende a absorver a atenção do ouvinte, a batida possui um efeito focalizador na música. O jazz das décadas de 20 e 30 era, muitas vezes, feito a partir de canções tradicionais tocadas bem mais alto e com uma batida sincopada, um produto facilmente produzido que desperdiçava energia que Adorno achava deveria ser gasta na revolução. Tudo sobre a música das big bands ia contra a filosofia de Adorno. Americanos dançantes se divertindo satisfazendo seus instintos mundanos não eram bom material revolucionário. Ao invés de expressarem sua individualidade, eles estavam fazendo pouco mais do que se conformar a uma moda cultural.

O desejo de Adorno por uma revolução o levou a favorecer música modernista que deixava o ouvinte se sentindo insatisfeito e deslocado, música que conscientemente evitava harmonia e previsibilidade. Ele acreditava que apenas a discórdia podia inaugurar o que Herbert Marcuse chamou depois de "o retorno dos reprimidos". É por isso que Adorno elogiou interminavelmente a obra de Arnold Schoenberg, seu correligionário e compositor vanguardista.

Uma coleção recente de críticas musicais de Adorno, Essays on Music (Ensaios sobre Música) contém o ensaio Why is the New Art so Hard to Understand? (Por que a Nova Arte é tão Difícil de Entender?), originalmente publicada em 1931. Em seu estilo opaco usual, Adorno explica por que o público geral insintivamente rejeita Schoenberg e "a nova música":

"A dificuldade de entender a nova arte possui sua base específica nessa necessidade da consciência consumidora de se remeter a uma situação intelectual e social na qual tudo vai além das realidades dadas, cada revelação de suas contradições constitui uma ameaça".


Em outras palavras, de modo a compreender sua música, as pessoas tinham que ir além de sua consciência consumidora e perceber as contradições da vida de classe média. Os frankfurtianos oniscientes tinham muito orgulho de sua habilidade de revelar aos consumidores "estúpidos" as contradições na sociedade ocidental e as inadequações psicológicas da classe média.


Platão considerava que novos estilos artísticos poderiam despertar revoluções sociais. É por isso que Platão acreditava que o novo Estado deveria censurar cuidadosamente as artes para garantir que elas preservem os valores nos quais a sociedade está fundada. Adorno e os outros da Escola de Frankfurt queriam usar a "nova música" para solapar os valores ocidentais de classe média, descrito mais completamente em meu ensaio, A Classe Difícil.

O objetivo de Adorno era apresentar sua mensagem política como a solução para os sentimentos de deslocamento que a "nova música" invocava. Adorno pensava que estes sentimentos de insatisfação poderiam ser usados contra a cultura ocidental: Ele queria que os ouvintes associassem estes sentimentos negativos com estilos de vida tradicionais, e olhassem para os frankfurtianos em prol de algo "melhor".

As esperanças de Adorno pelo potencial revolucionário da música de Schoenberg foram varridas porque poucas pessoas queriam ouvi-la. A música de Schoenberg jamais foi popular fora de círculos acadêmicos, parcialmente porque você tem que ser muito musicalmente treinado para até mesmo achá-la um pouco interessante, quanto mais bela. Mesmo que se aprecie a dissonância erudita de suas obras, ouvir Schoenberg é difícil.

Após a Segunda Guerra Mundial ficou claro que as esperanças de Adorno para as obras de Schoenberg eram infundadas. O historiador mais respeitado dos frankfurtianos, Martin Jay, diz que Adorno parou de criticar publicamente a música contemporânea antes de 1960. Isso sugere que ele pode ter mudado de opinião sobre o potencial revolucionário da música popular mesmo antes dessa época.

Atlantic Records

Atlantic Records foi fundada em 1947 por Ahmet Ertegun, um turco-americano, e Herb Abramson, um judeu. Muito do crescimento da Atlantic aconteceu após 1953 quando o produtor musical Jerry Wexler, também judeu, se uniu à empresa.

A história do primeiro engenheiro de som da Atlantic é curiosa. A Atlantic saiu de Washington, D.C. para um prédio na 234 W 56th Street em Nova Iorque em 1947. Ali, um "professor alemão" ajudou os jovens empresários a gravar seus primeiros álbuns de jazz.

Ertegun contou essa história várias vezes, mas ninguém nunca descobriu quem era esse tal "professor alemão".

Mas há bons indícios. Segundo Ertegun, "o estúdio tinha esse professor alemão que fazia o grosso da engenharia de som". O professora era "um pequeno doutor alemão de meia idade" que era "realmente difícil de trabalhar em conjunto". Ertegun afirma que, o professor "não nos deixava ligar o baixo, ou tocar no que quer que fosse, mas nos disseram que ele era um mestre, então nós o aturávamos".

Ertegun também afirmou que o professor "não sabia nada sobre música popular", mas que ele era "tecnicamente confiável".

Não há um número muito alto de professores alemães com conhecimentos sobre gravação musical e uma atitude negativa em relação ao jazz e à música popular em qualquer cidade, mas especialmente na Nova Iorque da década de 40. A evidência disponível aponta para Adorno como este misterioso engenheiro de som.

Ertegun gravava música que músicos mais estabelecidos como Count Basie considerava "ignorante". Ertegun queria especificamente produzir música que apelasse às massas, não aos musicalmente treinados. Como observado acima, Adorno realmente detestava este tipo de produção de massa e fazia questão de nos dizer isso em seus ensaios, particularmente On Popular Music (Sobre Música Popular [1941]) e On the Fetish-Character in Music (Sobre o Caráter Fetichista na Música [1938]).

Não obstante, Adorno era um brilhante analista musical que já vinha pensando em termos de gravação multicanal há muito tempo. Ele compreendia a tecnologia de gravação e seu efeito na música e ele conhecia a indústria musical de dentro para fora. Adorno sabia muito sobre como a música afeta o pensamento das pessoas e ele escreveu proficuamente sobre o efeito emburrecedor da cultura pop.

Parece haver duas possibilidades. Uma é que Adorno ajudou Ertegun a atingir um som musical popular apesar de Adorno pessoalmente odiar música popular por todas as razões notadas acima. Isso pareceria improvável. Por que Adorno, um revolucionário consciente, participaria em algo que ele via como reacionário?

A segunda possibilidade é que por volta do fim dos anos 40 Adorno entendeu que a música popular podia ser usada para promover a causa da revolução. Adorno e os outros teóricos da Escola de Frankfurt e os Intelectuais de Nova Iorque eram bastante conscientes de que a música popular podia ser usada para manipular as massas em sociedades comunistas, fascistas e capitalistas. Como intelectuais alienados vivendo em Nova Iorque nos anos 30 e início dos 40, eles tinham ótimos motivos para desprezar a cultura popular: Nos EUA, ela sustentava o status quo capitalista. Na Alemanha nacional-socialista ela reforçava o antissemitismo e a ideologia racialista. E na URSS, ela era parte da repressão stalinista.

Mas a coisa muda de figura quando eles passam a ter o poder de influenciar a cultura popular, como eles tiveram após a Segunda Guerra Mundial. Se estes intelectuais esquerdistas tivessem o poder para influenciar a cultura popular, eles poderiam usá-lo para manipular as massas nas direções desejadas, rumo ao cosmopolitanismo liberal, à ruptura de barreiras raciais e promoção de ícones culturais negros.

A Atlantic Records com certeza esteve envolvida nessas tendências. Segundo todos os relatos (segundo o de Ertegun), a Atlantic Records liderou a missão de romper com a segregação racial na América dos anos 50. Ertegun diz que ele promovia a música negra quando ninguém o faria. (Ele usava um nome falso para não envergonhar sua família). Ertegun tem os créditos de colocar a América a caminho de apreciar a cultura negra e substituir ícones culturais negros por negros.

Isso é apenas meia-verdade. Segundo o parceiro de Ertegun, Jerry Wexler, a Atlantic estava no negócio de "pegar as canções do evangelho e colocar as palavras do diabo nelas". Eles não estavam representando a cultura negra, mas uma subcultura negra autodestrutiva. Eles estavam promovendo ícones que falavam para o baixo-ventre da sociedade: sexualidade irreprimida, violência e drogas.

A mensagem que Ertegun promovia é a mesma que Herbert Marcuse transmitiu em Eros e Civilização e Adorno vendeu em A Personalidade Autoritária. Com base na psicanálise, sua mensagem era de que o socialismo só poderia se desenvolver se as pessoas se libertassem de suas repressões sexuais. Em A Cultura da Crítica, Kevin MacDonald descreveu as ideias básicas como segue:

"Em Eros e Civilização Marcuse aceita a teoria freudiana de que a cultura ocidental é patogênica como resultado da repressão de impulsos sexuais, homenageando Freud, que 'reconheceu o operação da repressão nos mais elevados valores da civilização ocidental, que pressupõe e perpetua a ausência de liberdade e o sofrimento' (p.240). Marcuse cita a lbra de Wilhelm Reich com aprovação como um exemplar da ala 'esquerdista' do legado freudiano. Reich 'enfatizava a medida em que a repressão sexual é imposta pelos interesses de dominação e exploração, e a medida em que estes interesses são, por sua vez, reforçados e reproduzidos pela repressão sexual' (p.239). Como Freud, Marcuse aponta o caminho para uma civilização utópica não-exploradora que resultaria do completo fim da repressãosexual, mas Marcuse vai além das ideias de Freud em Civilização e Seus Descontentes somente em seu otimismo ainda maior em relação aos efeitos benéficos do fim da repressão sexual" (Capítulo 4)

Claramente, os intelectuais frankfurtianos chegaram a ver virtude em apelar aos prazeres mundanos e à sexualidade liberada. Tais opiniões casam bem com a ênfase de Eric P. Kaufmann no papel de intelectuais esquerdistas na ascensão do individualismo expressivo como tema da contracultura da década de 60 que, de muitas maneiras, permanece dominante hoje. Tais opiniões são bastante contrárias às de Platão que acreditava que elas enfraqueceriam o Estado e preparariam o caminho para a tirania.

A Atlantic passou a trabalhar com rock na década de 60 e na década de 90 eles entraram no "gangsta rap". Eu não consigo pensar em um exemplo melhor de sexualidade "polimorficamente perversa" do que os Rolling Stones ou um ícone mais degenerado do que Snoop Dogg.

Nos anos após a Segunda Guerra Mundial a indústria das gravadoras já estava maciçamente consolidada. Em 1967 a Atlantic Records foi comprada pelo que é agora a Warner Music Group, ainda que a Atlantic continuasse a operar sob sua própria marca.

Mas a Atlantic Records/Warner Music Group não é apenas uma anomalia infeliz. A parte preponderante da indústria das gravadoras promove estilos de vida que os frankfurtianos passaram a identificar como conducente à revolução social. EMI, Universal e Sony recrutaram um exército de artistas que expõem as mesmas mensagens moralmente enfraquecedoras. Como discutido em A Classe Difícil, essa revolução concentrou poder na elite e desmobilizou a classe média.

A Conexão Columbia

Os frankfurtianos haviam sido propagandistas revolucionários desde o início do Instituto para Pesquisa Social na Alemanha em 1923. Refugiados da Alemanha nacional-socialista, a Escola de Frankfurt se mudou para a Universidade de Columbia em Nova Iorque em 1934.

A Universidade de Columba também foi bastante importante para o lado científico do esforço de guerra de Roosevelt. O Departamento de Pesquisa Científica e Desenvolvimento recrutou em peso pessoal da Columbia para o Projeto Manhattan. O DPCD também estava interessado em psicologia e psicoacústica, tópicos que estavam em sintonia com a pesquisa de Adorno.

Também é de interesse que durante a Segunda Guerra Mundial, vários frankfurtianos, incluindo o sociólogo Herbert Marcuse, se uniram ao Departamento de Serviços Estratégicos, que se tornou a CIA em 1947.

As conexões entre frankfurtianos, a Universidade de Columbia, a OSS/CIA e o DPCD são importantes porque quando o "professor alemão" saiu da Atlantic Records em 1947, ele foi substituído por Tom Dowd, um estudante da Universidade de Columbia diretamente saído do Projeto Manhattan do DPCD. As conexões importantes de Dowd o tornavam um candidato provável para substituir o irascível Adorno uma vez que a Atlantic já havia estabelecido sua sonoridade característica.

O "professor alemão" subitamente parou de ajudar a Atlantic Records em 1947. Ertegun só se lembra que Dowd havia sido enviado para ajudar a Atlantic "porque o professor não conseguia mais". Ninguém parece saber como Dowd conseguiu o emprego.

Tom Dowd era um músico classicamente treinado bem como pesquisador do Projeto Manhattan. Dowd afirmou que seu trabalho com a bomba foi pago pelo DPCD, que foi fechado em 1947. Ele afirmou que ele não conseguia continuar estudando física nuclear em Columbia porque ele conhecia muita informação sensível atual sobre o projeto da bomba e não queria ficar assistindo aulas desatualizadas. (Ver Tom Dowd e a Linguagem da Música, um filme por Mark Moormann.) Felizmente para Dowd, Adorno estava infeliz no trabalho.

A Bomba e o Fichamento de Personalidade: Mais próximo do que você pensa

John Marks, autor de The Search for the Manchurian Candidate: The CIA and Mind Control (A Busca pelo Candidato Manchuriano: A CIA e o Controle Mental), mostra que houve muitos elos entre o Projeto Manhattan e a iniciativa de "controle mental" da CIA conhecida como Projeto MK-Ultra. MK-Ultra foi organizado junto ao modelo do Projeto Manhattan, e contratados do Projeto Manhattan foram recrutados pelo MK-Ultra para pesquisas sobre drogas psicotrópicas.

O programa MK-Ultra também estava interessado em fichar personalidades, trabalho no qual a Escola de Frankfurt havia se concentrado para o governo americano desde os últimos anos da guerra.

Eu pesquisei os arquivos do MK-Ultra nos Arquivos de Segurança Nacional. Eu gostaria de esclarecer um equívoco comum sobre eles. A pesquisa sobre LSD foi apenas uma parte dos interesses dessa organização. Seu objetivo principal era descobrir a maneira mais eficiente de manipular pessoas. Os projetos com LSD foram simplesmente os mais espetaculosos, e nem mesmo foram os mais eficientes.

Muitos dos programas do MK-Ultra foram projetados para analisar personalidades diferentes e como eles provavelmente responderiam a certas situações. Equipes do MK-Ultra tentaram mapear crenças e inseguranças de certos grupos étnicos, como os negros; e grupos sociais, como os moradores urbanos de baixa renda; e grupos religiosos, como cristãos evangélicos. Eles estavam construindo um banco de dados sobre como manipular a política étnica e grupos de interesses.

O trabalho da Escola de Frankfurt sobre "personalidades autoritárias" na década de 30 foi repaginado para audiências americanas como Estudos sobre Preconceito, incluindo o A Personalidade Autoritária e outros livros que tentavam desenvolver perfis psicológicos de americanos brancos. Em geral, essas obras eram mais ideológicas do que científicas, confiando tipicamente na psicanálise como meio de atingir objetivos políticos de retratar americanos brancos com tendências etnocêntricas como vítimas de desordens psiquiátricas formuladas de variadas formas.

O programa MK-Ultra da CIA continuou de onde os fankfurtianos pararam analisando grupos minoritários politicamente organizados. Tom Dowd pertencia a um grupo bem seleto de estudantes que tinham permissão para serem expostos ao tipo de trabalho que os frankfurtianos realizavam para o governo americano. Tom Dowd teria sido uma escolha óbvia para substituir Adorno no estúdio de gravação.

Conclusão

Neste artigo eu não forneci evidência provando que a Atlantic Records é um derivado da engenharia social da Escola de Frankfurt. Eu forneci evidência circunstancial que mostra que cooperação entre as duas organizações era muito provável. Muito do que os frankfurtianos estavam fazendo ficou fora do escrutínio público. Mas quando toda uma indústria se devota a ideias defendidos por um punhado de esquerdistas radicais idosos, é um forte indício de que algo está estranho.

Governos sempre existiram para controlar a sociedade. Filósofos humanistas tem reconhecido que um governo legítimo exercita controle de maneira que beneficia seus cidadãos. Tudo o mais é tirania. Companhias musicais como a Warner promovem comportamentos corruptores e danosos. É só perguntar ao palhaço na Casa Branca.

Keith Preston - Quando o Fascismo era de Esquerda

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por Keith Preston



O modelo convencional de espectro político “esquerda/direita” coloca o Fascismo e o Marxismo como pólos opostos. Marxismo é considerado uma ideologia de extrema-esquerda enquanto o fascismo supostamente representa o mais “direitista” que alguém pode ser. Um título recentemente traduzido ao inglês pela editora Finis Mundi de Portugal, o Fascismo Revolucionário, de Erik Norling, faz muito bem em apontar que a classificação do Fascismo – como concebido por Mussolini e seus asseclas – como direita política deve ser questionada.



Esta obra foi originalmente impressa em 2001 e o autor, Norling, historiador e advogado, é um sueco que vive na Espanha. Norling observa que desde a juventude até a Primeira Guerra Mundial, Mussolini era tão esquerdista como qualquer contemporâneo seu (como por exemplo Eugene V. Debs). Era o que mais tarde viria a ser conhecido como “red diaper baby” (Nota do Tradutor: bebê das fraldas vermelhas – o que significava ser filho de socialistas revolucionários). Quando jovem, Mussolini era marxista, um anticlericalista fervoroso e foi até a Suíça para fugir do serviço militar, além de ser preso por incitar greves militantes. Eventualmente, se tornou um líder no Partido Socialista da Itália e foi preso novamente em 1911 por suas atividades anti-belicistas com relação à invasão italiana na Líbia. Mussolini era um socialista tão proeminente à esta altura de sua carreira que chegou a ser elogiado por Lenin, que o considerava o homem certo para o futuro estado socialista italiano.

Quando iniciou-se a Primeira Guerra Mundial em 1914, Mussolini inicialmente manteve a política anti-belicista do Partido Socialista italiano, mas nos meses seguintes mudou para uma posição pró-belicista que acabou com a sua expulsão do partido. Ele então alistou-se no exército e italiano, e foi ferido em combate. As razões da mudança de Mussolini de uma posição anti-belicista para uma posição pró-belicista são essenciais para entender as verdadeiras origens e a natureza do fascismo e o seu lugar dentro do contexto da história política e intelectual do século XX. Mussolini passou a ver a guerra como uma luta anti-imperialista contra a dinastia dos Habsburgo no Império Austro-húngaro. Mais, considerava a guerra como uma batalha anti-monarquista contra as forças conservadoras como os Habsburgos, os turcos otomanos, os Hohenzollern da Alemanha, e atacava estes regimes como inimigos reacionários que haviam reprimido o socialismo. Mussolini também acreditava profeticamente que a participação da Rússia na guerra poderia enfraquecer esta nação a ponto de torná-la suscetível à revolução socialista, o que de fato aconteceu. Em outras palavras, Mussolini via a guerra como uma oportunidade para avançar as batalhas revolucionárias da esquerda na Itália e fora dela.

As fasci di combattimento, militâncias do fascismo, não deixam dúvidas sobre as raízes socialistas da ideologia: dentre outras requisições, a carga horária de 8 horas, o salário mínio, a participação operária no funcionamento técnico da indústria, a confiança de gestão da indústria e dos serviços públicos às organizações proletárias, a nacionalização de fábricas, tributação progressiva, a expropriação de riqueza, o confisco dos bens da Igreja.

Quando o movimento fascista italiano foi fundado em 1919, a maioria dos seus líderes e teóricos eram, como o próprio Mussolini, ex-marxistas e outros esquerdistas radicais como os proponentes das doutrinas sindicalistas revolucionárias de Georges Sorel. Os programas oficiais criados pelos fascistas, traduções que se encontram no livro de Norling, refletiam uma mistura de idéias socialistas e republicanas que estariam em comum com qualquer grupo esquerdista europeu da época. Se as evidências indicam que o fascismo tem suas origens na extrema esquerda, então de onde vem a reputação do fascismo como uma ideologia de direita?

Alguns exemplos de influências de Mussolini são o niilista Nietzsche, o marxista Péguy, e os sindicalistas revolucionários Sorel e Lagardelle.

A resposta parece ser uma combinação de três fatores primários: propaganda marxista que acabou se misturando à historiografia mainstream, a revisão da doutrina revolucionária esquerdista pelos próprios líderes fascistas, e o inevitável compromisso e acomodação do fascismo após atingir o poder estatal de facto. Com relação ao primeiro, David Ramsay Steele descreveu a interpretação marxista padrão do fascismo em um importante artigo sobre a história do fascismo:

"Nos anos 30, a percepção do “fascismo” no mundo anglófono mudou de uma novidade italiana exótica, até mesmo chique, para um símbolo multiuso daquilo que é mal. Sob a influência dos escritores esquerdistas, uma visão do fascismo foi disseminada e permanece dominante entre intelectuais até hoje. É mais ou menos assim:

Fascismo é o capitalismo sem máscara. É uma ferramenta do Grande Capital, que governa através da democracia até que se sinta mortalmente ameaçado, e então liberta o fascismo. Mussolini e Hitler foram colocados no poder pelo Grande Capital, porque o Grande Capital foi desafiado pela classe trabalhadora revolucionária. Temos naturalmente que explicar, então, como o fascismo pode ser um movimento de massas, e um que não é nem liderado nem organizado pelo Grande Capital. A explicação é que o fascismo o faz através de um uso amigavelmente esperto do ritual e do símbolo. Fascismo como uma doutrina intelectual é vazio de conteúdo sério, ou alternativamente, seu conteúdo é uma mixórdia incoerente. O apelo do fascismo é uma questão de emoção e não de idéias. Se sustenta no canto dos hinos, no balanço das bandeiras e outras palhaçadas que não são mais do que dispositivos irracionais empregados pelos líderes fascistas que foram pagos pelo Grande Capital para manipular as massas."

Esta percepção continua a ser a “análise” esquerdista padrão do fascismo mesmo nos tempos modernos. Eles fazem um longo e tortuoso caminho para explicar porque, por exemplo, os movimentos ou figuras políticas americanos que não tem absolutamente nada a ver com o fascismo histórico (como o Tea Party, os porta-vozes neoconservadores da Fox News ou programas de rádio conservadores) continuam a receber o rótulo de “fascistas” por esquerdistas.

A realidade das origens fascistas é bem diferente. Seus criadores eram típicas figuras políticas e intelectuais esquerdistas cujo ponto comum era o entendimento de que o marxismo era uma ideologia falha. Como Steele observou:

"O fascismo começou como uma revisão do marxismo por marxistas, uma revisão que se desenvolveu em estágios sucessivos, de tal modo que tais marxistas gradualmente pararam de ver-se como marxistas, e eventualmente pararam de ver a si mesmos como socialistas. Mas nunca pararam de se ver como revolucionários antiliberais.

A Crise do Marxismo ocorreu nos anos de 1890. Intelectuais marxistas podiam clamar falar pelos movimentos de massas ao longo da Europa continental, mas ficou claro naqueles anos que o marxismo havia sobrevivido a um mundo que Marx acreditava impossível. Os trabalhadores estavam enriquecendo, a classe trabalhadora estava fragmentada em grupos com interesses distintos, o progresso tecnológico estava avançando em vez de encontrando obstáculos, a taxa de lucro não estava caindo, o número de investidores ricos (“magnatas do capital”) não estava diminuindo mas aumentando, a concentração industrial não estava aumentando, e em todos os países os trabalhadores estavam colocando o seu país acima da sua classe."

Os primeiros fascistas eram ex-marxistas que acabaram duvidando do potencial revolucionário da guerra de classes, mas tinham simultaneamente chegado à conclusão de que o nacionalismo revolucionário era promissor. Como Mussolini enfatizou em um um discurso em 5 de dezembro de 1914:

"A nação não desapareceu. Acreditávamos que o conceito de nação era totalmente sem substância. Mas em vez disso vemos uma nação erguer-se como uma realidade palpitante diante de nós!… A classe não pode destruir a nação. A classe se revela como uma coleção de interesses – mas a nação é a história de sentimentos, tradições, língua cultura e raça. A classe pode se tornar parte integrante da nação, mas uma não pode encobrir a outra. A guerra de classes é uma fórmula vã, com efeito e consequência onde quer que se encontre um povo que não se integrou a seus próprios confins linguísticos e raciais – onde o problema nacional não foi resolvido definitivamente. Nestas circunstâncias o movimento de classe se encontra enfraquecido por um clima histórico inóspito."

A Carta del Lavoro, aprovada em 1927, é o reflexo do intervencionismo esquerdista das fasci d’azione internazionalista e do sindicalismo revolucionário das fasci di combattimento. Obra prima do sindicalismo fascista, é a fonte inspiradora da nossa Carteira de Trabalho.

O fascismo abandonou a guerra de classes por uma revolução nacionalista que pregava a colaboração das classes sob a liderança de um estado forte e capaz de unificar a nação e acelerar o desenvolvimento industrial. Realmente, Steele fez uma observação interessante das semelhanças entre os movimentos de “libertação nacional” italianos e latino-americanos marxistas da segunda metade de século XX:

"A lógica que permeia a sua mudança de posição era a de que infelizmente não haveria revolução da classe trabalhadora, fosse nos países desenvolvidos, fosse nos menos desenvolvidos como a Itália. A Itália estava só, e o problema de Itália era pouca produção industrial. A Itália era uma nação proletária explorada, enquanto os países mais ricos eram nações burguesas e envaidecidas. A nação foi o mito que poderia unir as classes produtivas por trás de um movimento para expandir a produção. Estas idéias são o presságio da propaganda do Terceiro Mundo da década de 50 e 60, na qual as elites em países economicamente atrasados representavam seu próprio governo como “progressista” porque aceleraria o desenvolvimento do Terceiro Mundo. De Nkrumah a Castro, os ditadores do Terceiro Mundo seguiriam os passos de Mussolini. O fascismo foi um mero jogo de treino para o Terceiro-mundismo pós-guerra."

Mussolini e sua política são de certa forma as bases do caudilhismo terceiro-mundista. O estado forte, o culto ao líder, o sindicalismo, o populismo, o intervencionismo e protecionismo econômico e o autoritarismo são suas características comuns.

Durante seus vinte e três anos no poder, o regime de Mussolini certamente fez consideráveis concessões aos interesses tradicionalmente conservadores como os da monarquia, das grandes corporações, da Igreja Católica. Estas acomodações pragmáticas nascidas da necessidade política estão entre as evidências tipicamente expostas por esquerdistas como indicadores da natureza “direitista” do fascismo. No entanto há abundantes evidências de que Mussolini permaneceu essencialmente socialista durante toda a sua vida política. Em 1935, treze anos após alcançar o poder na Marcha Sobre Roma, setenta e cinco por cento da indústria italiana tinha sido nacionalizada ou colocada sob intensivo controle estatal. De fato, foi no final de sua vida e de seu regime que as políticas econômicas de Mussolini atingiram o seu pico de esquerdismo.

Após perder o poder por alguns meses durante o verão de 1943, Mussolini voltou como chefe de estado da Itália com auxílio alemão e fundou aquilo que ele chamou República Social Italiana. O regime subsequentemente nacionalizou todas as empresas com mais de cem operários, distribuiu terras e testemunhou um número de proeminentes marxistas entrando no seu governo, incluindo Nicola Bombacci, o fundador do Partido Comunista e um amigo pessoal de Lenin. Estes eventos são descritos em considerável detalhe na obra de Norling.

Engana-se quem acha que o fascismo está morto. Tal qual o comunismo, ele permanece vivo e ativo. Falangistas, nacional-bolchevistas, strasseristas e mesmo muitos grupos auto-declarados “anti-fascistas” são na verdade movimentos nacional-sindicalistas adeptos das mesmas idéias do antigo Partido Nacional Fascista Italiano. Mesclando elementos do nacional-socialismo, do bolchevismo e do anarquismo, os fascistas buscam angariar cada vez mais adeptos com seu discurso populista. Basicamente, é a mesma estratégia que outrora usaram para colocar marxistas, socialistas e social-democratas em suas fileiras.

Ao que parece a rivalidade histórica entre marxistas e fascistas é menos um conflito entre esquerda e direita, e mais um conflito de outrora irmãos na esquerda. Não seria nenhuma surpresa , dada a tendência de agrupamentos de esquerda radicais para vinganças sectárias. Na verdade, pode-se plausivelmente demonstrar que o “anti-fascismo” da esquerda está enraizado como a inveja de um parente mais bem-sucedido, mais do qualquer outra coisa. Como Steele comentou:

"Mussolini acreditava que o fascismo era um movimento internacional. Ele esperava que tanto a democracia burguesa decadente quanto o marxismo-leninismo dogmático iriam dar lugar ao fascismo em todos os lugares, que o século vinte seria um século de fascismo. Como seus contemporâneos esquerdistas, ele subestimou a resiliência tanto da democracia como do liberalismo. Mas em essência a previsão de Mussolini se cumpriu: a maioria dos povos do mundo na segunda metade do século XX era governada por governos que na prática estavam mais próximos do fascismo do que do liberalismo ou do marxismo-leninismo. O século XX foi com certeza o século fascista".

Juan Domingo Perón - Sobre a Morte de Che Guevara

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por Juan Domingo Perón

Tradução por E.P.



Camaradas!

Recebi com profunda dor a notícia de uma perda irreparável para a causa dos povos que lutam pela liberdade.

 Nós estamos unidos com aqueles que abraçam este ideal, em qualquer parte do mundo e sob qualquer bandeira. Estamos com aqueles que lutam contra a injustiça, a miséria e a exploração. Estamos unidos com aqueles que com toda coragem e determinação combatem a ganancia insaciavel do imperialismo, das oligarquias e dos estados militares fantoches mantidos pelo Pentagono para manter povos oprimidos.

Hoje, nesta luta, um heróiu caiu, um jovem extraordinário que deu sua vida pela revolução da América Latina, o comandante Ernesto Che Guevara. 

Sua morte quebra meu coração, porque ele era um de nós, de comportamento altruísta, de espírito do sacrificio e da renuncia. A forte crença na causa que abraçou, deu-lhe a força e coragem necessarias, coragem que hoje o elevou ao status de herói e mártir.

Eu li que alguns procuram o retratar como inimigo do peronismo. Nada é mais absurdo. Supondo que seja verdade que em 1951 ele tenha se associado a uma tentativa de golpe,  quantos anos tinha então? Eu mesmo sendo um jovem oficial, participei no golpe que derrubou o governo popular de Hipolito Irigoyen. Também nessa época fui utilizado pela oligarquia.

O importante é reconhecer os erros e corrigi-los. 

Em 1954, na Guatemala, ele lutou para defender o governo de Jacobo Arbenz contra a intervenção armada arrogante dos norteamericanos, eu pessoalmente dei instruções ao Ministério das Relações Exteriores para ajudar a resolver a situação dificil deste jovem argentino, e assim ele foi para o México.

Sua vida é o exemplo mais claro aos nossos jovens em toda a América Latina.

Sempre haverá aqueles que vão tentar manchar o seu nome. O imperialismo tem um medo enorme do carisma, e ele conseguiu conquistar os corações das massas de nossos povos subjugados. Já recebi a notícia de que o Partido Comunista da Argentina, começou uma campanha de difamação hipócrita para desacreditá-lo. Isto não é surpreendente, uma vez que tal partido sempre foi conhecido por agir de forma contrária ao interesse nacional histórico. Eles estavam sempre contra os movimentos nacionais e populares. Nós, peronistas podemos atestar isso.

A hora da revolução nacional dos povos na América Latina chegou, e este é um processo irreversível. O sistema atual será quebrado! É infantil pensar que nenhuma revolução pode vencer a resistência da oligarquia e o monopólios dos investidores imperialistas.

A revolução socialista deve ser realizada, não importa sob qual bandeira a revolução seja travada. Devemos permanecer unidos pelo  bem de todos os nossos movimentos nacionais. Solidariedade entre nós e guerra aos exploradores privilegiados.

A maioria dos governos latino-americanos não vão resolver os problemas nacionais, simplesmente porque eles não se preocupam com os interesses nacionais.

Para levar a cabo a revolução socialista, discursos revolucionários não são suficientes. Precisamos organizar ações revolucionárias, estratégias e táticas que tornem a revolução possível.

Na vanguarda devem estar aqueles que abraçam a luta! A luta será difícil, mas a vitória final será do nosso povo. Nossos inimigos têm vantagem financeira significativa sobre nós, mas temos uma força moral extraordinária que nos dá confiança na justiça de nossa luta e na justificação histórica de nossas ações.

O Peronismo, de acordo com as tradições de nossa luta, como um movimento revolucionário nacional-popular, presta homenagem ao idealista e revolucionário Comandante Che Guevara - guerrilheiro argentino, que foi morto em combate, lutando pela vitória revolucionária na América Latina.

Juan Domingo Peron 

Madrid, Outubro 24, 1967.

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