por Daniele Perra
(2018)
Em uma carta datada de 1933 dirigida a Carl Schmitt para o parabenizar pelo sucesso da terceira edição de "O Conceito do Político", Martin Heidegger se felicitava com o grande jurista por ter mencionado o Fragmento 53 de Heráclito: "O conflito, de todas as coisas pai, de todas as coisas rei, de alguns fez deuses, de outros homens, de alguns servos, de outros homens livres”. Além de demonstrar sua gratidão por não ter deixado de fora nenhum termo no fragmento e, em particular, a palavra "Basileus" (rei), o filósofo alemão admitiu ter mantido durante anos uma interpretação particular do breve dito heraclítico: uma interpretação, em sua própria maneira de ver, intrinsecamente ligada ao conceito de Verdade. Ao mesmo tempo, porém, Heidegger revelou a Schmitt que ele próprio estava em meio a um conflito e que qualquer projeto literário na época seria de importância secundária.
Parece imediatamente evidente que no fragmento heraclítico com o termo "pòleimos" (conflito) não se dá a entender exclusivamente o conflito armado (a jihad inferior ou exterior na tradição islâmica) mas também e sobretudo um conflito interior (a jihad superior) voltado para o aperfeiçoamento do ser humano de modo a torná-lo verdadeiramente homem e, portanto, cada vez mais próximo do divino. Portanto, para Heidegger, esse conflito não era outro senão o esforço do eu que o levará àquilo que ele mesmo definiu como um corpo a corpo consigo mesmo, a abandonar o ensino por vários anos, mas também, mais tarde, a produzir as suas obras maduras mais importantes: O “Nietzsche” e “Caminhos da Floresta”. Assim como Heidegger, que identificava no "Einkehr" (recolhimento) o primeiro passo no caminho do "Ruckkehr" (retorno) como o único caminho filosófico viável numa época em que a metafísica foi pervertida na sua anti-essência, o Imã Ruhollah Khomeini reconheceu como a introspecção e a auto-reflexão eram as condições essenciais para o início da luta interior e a ascensão até Deus. De acordo com o Imã, a autodisciplina, a contemplação e a auto-análise eram os pré-requisitos para cada buscador da Verdade que luta contra si mesmo na sua jornada espiritual rumo ao caminho do "despertar" (yaqzah).