por Reinaldo Laddaga
(2015)
Sempre achei intrigante que as histórias canônicas da arte e da literatura do início do século XX, geralmente tão generosas em seu tratamento do surgimento do avantgarde histórico, nunca mencionassem seu desenvolvimento mais espetacular: a criação e o fracasso final da chamada Regência Italiana de Carnaro. De certa forma, essa omissão é compreensível. O que aconteceu entre 1919 e 1920 na cidade disputada de Fiume, quando - sob a liderança do escritor Gabriele D'Annunzio - uma aliança peculiar de soldados, artistas e aventureiros ocupou a cidade com a intenção inicial de anexá-la à Itália, complica a narrativa mais comum em que a arte moderna e a política progressista por natureza caminham juntas.[1] Mas, como observa o excelente “Modernismo e Fascismo” do historiador Roger Griffin, vários movimentos de vanguarda compartilhavam a aspiração do fascismo de curar o mundo (ou pelo menos a Europa) da anomia e da perda de vitalidade. Essas condições eram entendidas como subprodutos da modernidade e, particularmente no final de uma guerra que patenteou o fracasso da promessa da modernidade de progresso material e social. Ambos os movimentos propuseram um retorno, em meio à crise, a um espaço primordial onde os enviados de uma nova humanidade poderiam colher as sementes para um mundo futuro. Em Fiume, fascistas e dadaístas, futuristas e bolcheviques estiveram, por alguns meses, no mesmo campo.